sábado, 31 de outubro de 2015

P de "... pero que las hay"


como las brujas
voy vestida de cielo



ANALÍA MARCHESANO
in La luz que no da tregua, Puntal del Este: Trópico Sur Editor, 2015




[ID, Novembro 2008]

T de Tratado de Pedagogia (LXVI)


15 de Maio de 2006


Ensinar, escrever, cantar, compor música, levá-la à soleira da porta para que ela receba o sol, são actos de amor. 
Não deixar estropiar o ensino, a escrita, o canto, a composição da música que se leva à soleira da porta para que receba a transparência da lua, são actos de protecção amorosa _____
[...]


Maria Gabriela Llansol, O Azul Imperfeito - Livro de Horas V (Pessoa em Llansol)
org. Maria Etelvina Santos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2015

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

I de "I want to ride my bike" (VII)


     "O anjo: eternidade após eternidade a guardar cadáveres, segurando-lhes a trela, deixando-os entrerroer os ossos. [...] 
    O anjo: eternidade após eternidade a oficiar a resistência, atiçando o lume nos olhos dos que ainda aprendem a amar aquilo que se lhes recusa. Para eles, o sonho, não o sono, é um lobo entre dois ataques. Emboscado sem horários, dias úteis, tréguas. Sem medo. Sem abdicar de ser inquieto e convulso, que é o mesmo que dizer vivo e poético. Respeitando o círculo das trevas, espreitando o sinal do pássaro do terror, seguindo convictamente o seu assassino como se um fio lhe prendesse cada nervo aos arrepios da cegueira, aos pregos na voz. Os últimos dos últimos, escreveriam; os verdadeiros toureiros, os funâmbulos.
     Pobre anjo. De paciência destelhada, contempla o seu rebanho de cadáveres. Nunca se sentiu tão mal acompanhado. E nós tão sós, neste mundo de sombras ocupadas a repisarem a nossa sombra, às escuras." 


Inês Dias
in Cão Celeste n.º 2, Lisboa, Outubro de 2012




[Josef Koudelka, Czechoslovakia, 1968
 © Josef Koudelka/Magnum Photos]

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

P de (Po)ética - LVI


VIDA AÉREA


o quanto você quer, me diga, com frio na barriga,
proclamar norte onde seu nariz aponte, se livrar do
que não interessa, com força, abrir a cabeça, meter pés
pelas mãos, com pressa, não importa, sentar no escombro
ombro a ombro com a obra, me diga me diga, com frio
na barriga, quanto tempo perdido, quantos reais no bolso,
quantos livros não lidos, quantos minutos de espera,
quantos dentes cariados, me diga o quanto você quer tudo isso
e para onde quer que envie, se você quer que embrulhe


Angélica Freitas, Rilke Shake
Lisboa, Douda Correria, 2015

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

T de "The days grow short" (XI)


6.


Mas possa eu, Senhor, não perder nunca
os olhos com que ao frio me enamoro
das folhas que se movem casuais
ao vento outonal das alamedas.


in Telhados de Vidro n.º 3, Lisboa: Averno, Novembro de 2004




[Coimbra, Janeiro 014]

terça-feira, 27 de outubro de 2015

C de Começar o dia com um livro novo (XL)



[ID, S. Miguel, 06/015]



[...]

Nada poderá trazer um navio de volta
a este porto prometido às trevas
e ao visco.
No jardim que deixámos para trás
(e lembra hoje uma única teia de tamiça e estopa)
cresceram as luzes da visitação

Não seguimos o rio, não iremos juntos.
Só damos de nós o que jamais
poderão ver

[...]


Luis Manuel Gaspar, Lvminaria, 2.ª ed. revista, 
com capa de José Escada e arranjo gráfico de Inês Mateus, 
Lisboa, Alambique, 2015




[ID, 'Pelos caminhos da manhã', 12/007]

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

P de...


Lembrei-me ontem, por volta das 20h, de algo que reli há pouco tempo:


219

Era uma vez um homem elástico. Quando era preciso que ele passasse através duma porta mal aberta esticavam-no em comprimento e ele passava. Não era preciso abrir mais a porta. Quando ao deitar-se, se a cama fosse curta encolhiam-no, ele dava em largura e assim estava sempre tudo certo. Este mito, que deu origem ao verbo procrastinar, há muito que é conhecido dos portugueses. 

- ANA HATHERLY

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

S de Solidão (ou C de Comunidade) - LXIII


249

Olho-te e penso naquele poeta que fala da loneliness of much beauty. Quantas vezes nos sentimos extraordinariamente sós embora sentindo-nos felizes. O amor é impossível mesmo quando possível. 


Ana Hatherly, 463 Tisanas,
Lisboa, Quimera, 2006





[Fotografia de José Francisco Azevedo,
na capa de Rainer Maria Rilke, Nota sobre a melodia das coisas, 
Lisboa, Averno, 2011]

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

N de 'Nous deux encore' - V b


Tinham nascido iguais aos outros
e tinham decidido após alguns anos
continuar a ser iguais.
Falariam até de madrugada sem pensar
que o seu filho herdaria esse costume.

Iam tornar-se insones e conquistar tudo.
Iam sair de casa ao amanhecer,
à hora em que os amantes
resistem à primeira luz e se reconhecem.
Iam estar prontos para chegar a tempo
às grandes conversas que começam
em muitos pontos da cidade todas as manhãs.
Tinham a absoluta certeza
de se estarem a amar num tempo diferente deste.

Tudo o que se dizia sobre o país lhes interessava,
registavam-no e conseguiam nomeá-lo
antes de se entregarem um ao outro.
Iam ser a primeira falta de educação.
Iam trazer um filho ao mundo
para que as esperanças colocadas neles
já não fossem reais.

Deixariam o seu amor no ponto mais belo
em que uma história de amor alguma vez ficou.
Iam sempre precisar de mais um dia
para saber o que fazer com a sua vida
e sempre, como uma excepção, lhes seria concedido.


Pablo Fidalgo Lareo, Os meus pais: Romeu e Julieta,
trad. Manuel de Freitas, Lisboa, Averno, 2015

terça-feira, 20 de outubro de 2015

N de 'Nous deux encore' (V)




[ID, 'Nous deux encore', 19/10/015]

domingo, 18 de outubro de 2015

C de "celui qui regarde une fenêtre fermée" (IV)


INFÂNCIA


I

Terra
sem uma gota
de céu. 


II

Tão pequenas
a infância, a terra.
Com tão pouco
mistério. 

Chamo às estrelas
rosas.

E a terra, a infância,
crescem
no seu jardim
aéreo.


III

Transmutação 
do sol em oiro.

Cai em gotas,
das folhas,
a manhã deslumbrada.


IV

Chamo
a cada ramo 
de árvore 
uma asa.

E as árvores voam.

Mas tornam-se mais fundas
as raízes da casa,
mais densa
a terra sobre a infância.

É o outro lado
da magia. 


V

E a nuvem
no céu há tantas horas,
água suspensa

porque eu quis,
desmorona-se e cai.


VI

Céu
sem uma gota 
de terra.


Carlos de Oliveira
in A Perspectiva da Morte, sel. de Manuel de Freitas,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2009




[ID, Lx, ontem]

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

C de Começar o dia com um livro novo (XXXVIII)


AS ANDORINHAS


I

     Dão-me a minha lição de cada dia.
     Pontuam o ar de pequenos gritos.
     Traçam uma linha recta, põem uma vírgula no fim, e, bruscamente, mudam de linha.
     Colocam entre loucos parênteses a casa onde moro.
     Ascendem da cave até às águas-furtadas, demasiado velozes para que no tanque do meu quintal fique uma cópia do seu voo.
     Com uma pluma de asa ligeira, dão forma a inimitáveis rubricas.
     Depois, aos pares, abraçadas, juntam-se, misturam-se, e são um borrão de tinta sobre o azul do céu.
     No entanto, só um olhar amigo pode segui-las, e se o leitor sabe grego e latim, eu sei ler o hebreu que no ar escrevem as andorinhas-das-chaminés.

[...]


Jules Renard, Histórias Naturais,
com tradução de Carlos Pombo e ilustração de Maria João Worm,
Lisboa, Quarto de Jade, 2015



[Tiragem: 50 exemplares numerados]

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

C de Começar o dia com um livro novo (XXXVII)


Era um país, um corpo,
uma cidade de ossos
calcinados, onde nem cães
metiam o dente.

E o corpo é um cristal lívido
no centro d'uma praça, deportado,
límpido, onde nem os homens
se atrevem.

A cidade aposta-se toda
na espessura do sono, na
candura banal, vulgar,

do país em ruína: impaciente.


Paulo da Costa Domingos, Cal,
com prefácio de Vitor Silva Tavares,
Lisboa, Averno, 2015



terça-feira, 13 de outubro de 2015

domingo, 11 de outubro de 2015

P de Poética - LV b


LARGO 2 DE MARÇO


para a Inês Dias


o largo tinha tanto.
o largo tinha tudo.

à noite o largo não era escuro,
e eu tinha as mãos de meu pai
a contar-me, pelos dedos, a luz do dia seguinte.

o largo ficou cheio de tempo,
e sem um sorriso para gastar.

já não há nenhum mistério
na Casa das Palmeiras.
a morte não gosta de palavras com quatro sílabas,
prefere o pó.


Emanuel Jorge Botelho, Fecho as cortinas, e espero,
 Lisboa, Averno, 2014





[ID, Casa das Palmeiras, 06/015]

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

S de "Solo se pierde lo que no se ama" (IV)




John Ashbery
in Uma Onda e Outros Poemas,
trad. colectiva (Mateus, Junho de 1991), Lisboa: Quetzal, 1992

R de Regresso ao Trabalho - XLVIII b


Ouvida ontem, no Teatro Maria Matos
a várias vozes e a vários tempos:




[...]
Te vas Alfonsina
Con tu soledad
¿Qué poemas nuevos
Fuíste a buscar?
Una voz antigüa
De viento y de sal
Te requiebra el alma
Y la está llevando
Y te vas hacia allá
Como en sueños
Dormida, Alfonsina
Vestida de mar.
[...]

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

B de Biorritmo (CLVII)


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A de "A propósito de andorinhas" (III)


Ontem, o concerto do grupo Hirundo Maris começou assim:




Anima nostra, 
sicut passer, 
erepta est 
de laqueo 
venantium

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

S de 'Solo se pierde lo que no se ama." (III)


"Magoar alguém é um acto de intimidade relutante."




Hanif Kureishi, Intimidade,
trad. Inês Dias, Lisboa, Relógio D'Água, 2015