domingo, 31 de agosto de 2014

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

F de Falar para as paredes - XI b




[...]
She ceased - and buried then her burning cheek
Abashed, among the lillies there, to seek
A shelter from the fervour of His eye;
[...]


Edgar Allan Poe
ilustrado por W. Heath Robinson (1900)


terça-feira, 26 de agosto de 2014

M de Museu Imaginário (XXX)




Passagem por uma exposição imperdível
no CAM - Fundação Calouste Gulbenkian.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

F de Fazer Fotografia (LXXIX)


TERREIRO DO PAÇO


Na minha Lisboa, turistas deflagram
lâmpadas súbitas, que me fotografam.

Noite fechada, na praça acordada
por estas e outras luzes sempre fixas,
um homem perora contra a estátua equestre
como se nela visse a própria sombra.

A vida, a sombra? Perguntas funestas
que me perseguem sem que nunca se mudem.

Na praça funesta, só um veio d'água
desperta ruídos que vêm das ondas
do rio somente riscado por luzes
que avançam silentes da margem oposta.

Com fotografias fixo-me em ausências.
No cais lateral navios atracam.


Ruy Cinatti, Corpo Santo,
sel. e pref. de Manuel de Freitas,
Lisboa: Averno, 2014

sábado, 23 de agosto de 2014

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O de "O poema ensina a cair" (III)


[...]
O resto é um mergulho, em grande estilo, com um pontapé na lua. Tinha o estado de espírito de quem foi atirado do alto da Torre Eiffel. É sabido que, quando caímos, nos tornamos mais inteligentes. Pomos a máquina a dar o rendimento máximo. À passagem pela segunda plataforma inventamos o pára-quedas, mais abaixo concebemos um plano circunstanciado de amortecedor individual e, a dez metros do solo, descobrimos o fim dos fins do imenso problema da gravitação e a máquina de descaroçar a Terra. O pior é que isso já não irá servir para nada.
[...]


Jean Meckert, Abismo e outros contos,
trad. Luís Leitão, 
Lisboa: Antígona, 2013

O de "O poema ensina a cair"


[Ontem à noite, em Lisboa]

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

S de Solidão (ou C de Comunidade) LIX


O que ilumina o mundo e o torna suportável é o habitual sentimento que temos dos nossos laços com ele - e mais particularmente do que nos liga aos seres. As relações com os seres ajudam-nos sempre a continuar porque pressupõem desenvolvimentos, um futuro - e também porque vivemos como se a nossa única tarefa fosse precisamente o manter relações com os seres. Mas nos dias em que nos tornamos conscientes de que não é a nossa única tarefa, sobretudo nos dias em que compreendemos que só a nossa vontade conserva esses seres ligados a nós - deixem de escrever ou de falar, isolem-se e verão como eles fundem em vosso redor - verão como a maioria está na realidade de costas voltadas (não por malícia, mas por indiferença) e que o resto conserva sempre a possibilidade de se interessar por outra coisa; quando imaginamos desta forma tudo quanto entra de contingente, de jogo das circunstâncias, no que costuma chamar-se um amor ou uma amizade, então o mundo regressa à sua noite e nós a esse grande frio de que a ternura humana por um momento nos tinha afastado. 


Albert Camus, Cadernos II,
trad. António Quadros, Lisboa: Livros do Brasil, s/d

A de A poesia é o menos (III)


SOMBRAS


Iluminar o mundo - com palavras.
velas, algum vinho.
Dito assim, quase parece simples.

Mas chovia muito e resguardou-se 
cada um na sua tão pequena chama
ou numa cómoda e fria indiferença.

Talvez fosse de esperar. As velas,
porém, continuaram a arder.
Enquanto cinco rostos se reflectiam na parede

e a poesia era, de novo, a única luz. 


Manuel de Freitas, Ubi Sunt,
Lisboa: Averno, 2014




[29 de Junho de 2014]

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

S de Solidão (ou C de Comunidade) VI



[Azenhas do Mar, 14/08/14]



Devant l'océan
sous la falaise
sur la paroi de granit

ces mains

ouvertes

Bleues
Et noires

Du bleu de l'eau
Du noir de la nuit

L'homme est venu seul dans la grotte
face à l'océan
Toutes les mains ont la même taille
il était seul

L'homme seul dans la grotte a regardé
dans le bruit
dans le bruit de la mer
l'immensité des choses

Et il a crié

Toi qui est nommée toi qui est douée d'identité je t'aime

Ces mains
du bleu de l'eau
du noir du ciel

Plates

Posées écartelées sur le granit gris

Pour que quelqu'un les ait vues

Je suis celui qui appelle
Je suis celui qui appelait qui criait il y a trente mille ans

Je t'aime

Je crie que je veux t'aimer, je t'aime

J'aimerai quiconque entendra que je crie

Sur la terre vide resteront ces mains sur la paroi de granit face au fracas de l'océan

Insoutenable

Personne n'entendra plus

Ne verra

Trente mille ans
Ces mains-là, noires

La réfraction de la lumière fait frémir la paroi de pierre

Je suis quelqu'un je suis celui qui appelait qui criait dans cette lumière blanche

Le désir

le mot n'est pas encore inventé

Il a regardé l'immensité des choses dans le fracas des vagues, l'immensité de sa force

et puis il a crié

Au-dessus de lui les forêts d'Europe,
sans fin

Il se tient au centre de la pierre
des couloirs
des voies de pierre
de toutes parts

Toi qui est nommée toi qui es douée d'identité je t'aime d'un amour indéfini

Il fallait descendre la falaise
vaincre la peur
Le vent souffle du continent il repousse l'océan
Les vagues luttent contre le vent
Elles avancent
ralenties par sa force
et patiemment parviennent
à la paroi

Tout s'écrase

Je t'aime plus loin que toi
J'aimerai quiconque entendra que je crie que je t'aime

Trente mille ans

J'appelle

J'appelle celui qui me répondra

Je veux t'aimer je t'aime

Depuis trente mille ans je crie devant la mer le spectre blanc

Je suis celui qui criait qu'il t'aimait, toi


MARGUERITE DURAS


domingo, 10 de agosto de 2014

Y de "y el sol era un domingo" (III)



P de (Po)ética (LIII)


[...]

Em território
tumultuoso de raízes
a pequena pedra
escreve o seu lugar
húmido
humilde
na terra; esmaga e
não esmaga como um céu
pesado que levitasse sobre
os pequenos animais cegos.

[...]


Manuel Gusmão, Tratado das Figuras
Lisboa, Assírio & Alvim, 2013




Achadinha (São Miguel), 24/08/12

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

S de Solidão (ou C de Comunidade) LVIII




ALBERT CAMUS
in Cadernos III, trad. António Ramos Rosa,
Lisboa, Livros do Brasil, s/d

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

I de "I want to ride my bike" (IV)








Federico Zandomeneghi (1896)



sábado, 2 de agosto de 2014

O de "O mundo está escuro: ilumina-o." (XXXI)


Era um rapaz que não sabia soletrar a palavra jubiloso. Sentia-se excluído de todas as praças onde as luzes iluminam e os sorrisos jogam lotos inocentes. 
Não perguntem por razões a um sentimento como este. Causas e motivos são formas às quais se não molda o difícil e mudável coração de um rapaz triste, mal versado em amores e descrente das páginas abertas no capítulo dos sonhos.
Era um rapaz viciado na melancolia. Ansiava sempre por regressar aos lugares do bem ausente e aos lugares do mal passado. O futuro não tinha para ele qualquer conotação afectiva: era um posto vazio e sem calor, uma antecâmara do inferno, sala de espera forrada a inox e após a qual nada havia que se pudesse conceber. E o presente, esse, era um confuso aluvião de sentimentos, recordações e penas.

[...]


José Miguel Silva, "Um rapaz novo"
in Telhados de Vidro n.º 3, 
Lisboa: Averno, Novembro de 2004

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

C de Cores (II)


BRANCO


Interessa-me o inconcreto branquejar 
da roupa no estendal (o branco, não)

mais do que o peso da água, ver
que o nada não se vê na água a evaporar

na luz do tecido em contraluz interessa-me
o vazio suspenso do vazio
quando a roupa enforma ao vento e sobe
no arame, interessa o risco que sustém a louca nave,
os voos desabitados e a pequena hora de ninguém.


Rosa Maria Martelo, Matéria,
Lisboa: Averno, 2014







[ID / Afurada 014]