segunda-feira, 28 de abril de 2014

P de Perder a cabeça (XII)




...ou C de Cabeça nas nuvens:
ID, 27/04/014

sexta-feira, 25 de abril de 2014

R de Regresso ao real (IX)


Eu tentava recordar
esse belo
poema
nunca escrito

formado no seio da noite
e quase maduro
mergulhara
fundido na luz do dia
já não existia

esse poema era verdadeiramente
um poema sobre si próprio
tal como uma pérola
é a descrição de uma pérola
e uma borboleta a descrição de uma borboleta

por instantes tinha-o na ponta da língua
e inquieto esperava
a sua transmutação
em verbo

esse poema evanescente
à luz do dia
fechou-se sobre si próprio
e só às vezes
volta a brilhar com intensidade

mas nunca tento retirá-lo
das suas profundezas obscuras
para o depor sobre a margem lisa
da realidade


Tadeusz Rózewicz
in Inquiétude, Paris: Buchet/Chastel, 2005

[Trad. ID]

segunda-feira, 21 de abril de 2014

C de Começar o dia com um livro novo (XXIX)


Coragem, pediu

para afagar os indícios, desenhar
a preto onde passar
a língua

desfeita pela insónia. Aquela
mão, aquela mão pousada
no poema, atrevia-se

a sufocá-lo.


José Carlos Soares, Igor Dgah,
Coimbra, Debout Sur L'Oeuf, 2014

domingo, 20 de abril de 2014

sábado, 19 de abril de 2014

C de "(O) começo de um livro..." - ou de uma editora (III)


Regressar a casa sozinho e noite dentro
quando o silêncio das árvores da rua se acentua
e os poemas que nunca hás-de fazer te atingem
com o fragor de telhas caídas de um telhado
mesmo em cima da tua cabeça - tanta fragilidade
E por fim entrar em casa, ordeiramente
A essa hora todo e qualquer remorso
é coisa de somenos, importante sim
para dormir, para brincar, só a morte
Ursinho de peluche no travesseiro
da cama - a tua morte


Rui Caeiro, Sobre a nossa morte bem muito obrigado,
com capa de Luís Henriques e arranjo gráfico de Inês Mateus
Lisboa: Alambique, 18 de Abril de 2014
[1.ª ed.: &etc, 1989]



sexta-feira, 11 de abril de 2014

S de Sense of Snow (XIV)




Vincent Gallo, Buffalo '66, 1998

segunda-feira, 7 de abril de 2014

L de (A) Luz da Sombra (XL)




Nazaré / Agosto 013

C de Cicatriz (XIII)


CICLO SEGUNDO


1.


A mulher volta sempre quando
a noite se constrói entre duas
facas _______________.

O seu regaço ondula como
a música. O pássaro que lhe desfaz
os cabelos e lhe sopra na pele,
esconde-se na mesma fogueira
castanha, entre as nuvens.


Jaime Rocha, Lâmina,
Lisboa, Língua Morta, 2014

domingo, 6 de abril de 2014

P de Páscoa Feliz (IV)



Ó DOMINGO RADIOSO DE SOL E CLAMORES


Atravesso a quaresma em paz
Enquanto nevoeiro seco e tormentas
Agonizam o mundo
Meu irmão longínquo

Não estou doente
Vou num sossego
Do lado bom do diabo
Ter com o bando à clareira

Comprei drogas baratas na farmácia
E na Feira do Leite
Os adeptos fazem juras de amor ao clube
Até à morte com urina e abraços

Gosto do domingo
Andar aos peidos
Não produzir
Como deus
Descansam os trabalhadores ao domingo


João Almeida
in LadradorLisboa: Averno, 2012
/ As Condições Locais, Guimarães: Opera Omnia, 2014

sexta-feira, 4 de abril de 2014

M de Música para os meus olhos (XXVII)



[Alcântara, 20/02/12 - e um adjectivo escondido atrás da coluna]



Conheço uma velha parede onde os sonhos se refugiam todos os dias ao fim da tarde. Os mais ambiciosos julgam que a velha parede é um mealheiro, e alguns chegam mesmo a confundi-la com um pote de moedas guardado por mouras encantadas ou onde nasce o arco-íris. 

Incólume à ambição, a parede continua a envelhecer ao ritmo dos sonhos, que a procuram silenciosos e cansados, à medida que o sol se esconde atrás da parede onde se refugiam.

Creio que só as crianças conhecem o verdadeiro segredo da parede. A chave que dá acesso aos sonhos acumulados durante séculos, e que consiste em considerá-la apenas uma velha parede: onde se escondem quando brincam às escondidas e usam como baliza quando jogam à bola. Ou vão ainda mais longe, e garatujam também um sonho na cal da velha parede, com mão incerta mas determinada.


Jorge Fallorca

in Telhados de Vidro n.º11, Lisboa, Averno, 2008.