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CEMITÉRIO DO PÈRE-LACHAISE
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AUX MORTS
No Père-Lachaise a solidão é um útero de regresso,
os mármores têm a aparência de leite cansado,
a eternidade é uma toupeira que dá de mamar aos seus mortos.
No Père-Lachaise há crianças albinas a mascar hera,
os corvos entesouram puxadores caídos de portas que ninguém conhece,
soam mais amargos os violinos de Enescu debaixo dos salgueiros.
Junto a Jim Morrison alguns cravos de outros tempos
ainda elevam vapores e descargas eléctricas.
Oscar Wilde é só musgo a rebentar a pedra.
Às seis da tarde um funcionário tranca a morte,
abre a cigarreira. Sumido entre o fumo talvez pense:
Que trabalho inútil viver. Quanto tempo perdido.
Uma roseira deixou os espigões abertos sobre Sadeq Hadayat.
Sentados nos seus ciprestes os anjos levantam âncoras.
O cemitério zarpa novamente e Paris é o Inverno.
Jesús Jiménez Domínguez
in Criatura n.º5, trad. de Luís Filipe Parrado, Outubro 2010
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AUX MORTS
Cansados de haver manhã,
os corvos do Père Lachaise
pareciam dispostos a reocupar
as casas desiguais dos mortos.
Celebração ou abandono,
a esbaterem-se no rigor
de um mesmo nada, por entre flores
sem cheiro, vitrais partidos
e teias de aranha milenares.
São formas de beleza pouco aconselháveis,
uma resposta para a qual nos faltará
sempre a pergunta correcta
ou o desejo, sequer, de a encontrar.
Pois só duas pessoas saberão
- até ao fim do mundo -
o nenhum mas imperioso motivo
de colocar dois cravos sobre a terra gasta.
E a partir-se, por inépcia minha, aquele
branco que te quis lembrar num verbo
que conhece demasiado bem o futuro.
Manuel de Freitas, Intermezzi, Op. 25,
(Opera Omnia)
(Opera Omnia)