sábado, 30 de abril de 2016

B de Brincar com ossinhos - IX b





Como se pressentisse a sua ruína
como se cego fosse
estendeu a mão e deixou os seus dedos
desenharem as palavras desenhadas
na pedra "eu morte existo".


João Miguel Fernandes Jorge
in Sobre o mar e a casa, com pinturas de Pedro Calapez,
Lisboa: Europália, 1991




[ID, Lisboa, 2016 | Coimbra, 2012]

sexta-feira, 29 de abril de 2016

C de Começar o dia com um livro novo (XLIII)


[...]

Fala, também tu, fosses tu o último a falar. É o que um poema - e talvez estejamos agora melhor preparados para o entender - nos dá a ler, nos dá a viver, permitindo-nos retomar nele este movimento da poesia tal como Celan no-la propôs, quase ironicamente: A poesia, Senhoras e Senhores: esta palavra de infinito, palavra da morte vã e do único Nada. [...]




Maurice Blanchot, O Último a Falar,
com tradução e notas de Fernanda Bernardo, 
capa de Inês Dias e arranjo gráfico de Pedro Santos,
Lisboa: Averno, 2016

quarta-feira, 27 de abril de 2016

I de "I want to ride my bike"


[...]
Como decía mi padre: “yo he sido transparente viajando en bicicleta”. 
Es uno de sus poemas surrealistas.
[...]


terça-feira, 26 de abril de 2016

S de Solidão (ou C de Comunidade) XXIV


Nesse número do Orpheu que há-de ser feito
Com rosas e estrelas em um mundo novo.


Nunca supus que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei e a falsa sorte,

Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro, entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento;
Mas, seja como for, segue a viagem.

Passei, embora num comboio expresso
Seguisses, e adiante do em que vou;
No términus de tudo, ao fim lá estou
Nessa ida que afinal é um regresso.

Porque na enorme gare onde Deus manda
Grandes acolhimentos se darão
Para cada prolixo coração
Que com seu próprio ser vive em demanda.

Hoje, falho de ti, sou dois a sós.
Há almas pares, as que conheceram
Onde os seres são almas.

Como éramos só um, falando! Nós
Éramos como um diálogo numa alma.
Não sei se dormes [...] calma,
Sei que, falho de ti, estou um a sós.

É como se esperasse eternamente
A tua vida certa e conhecida
Aí em baixo, no café Arcada —
Quase no extremo deste [...]

Aí onde escreveste aqueles versos
Do trapézio, doriu-nos [...]
Aquilo tudo que dizes no «Orpheu».

Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais.

[...]

Não mais, não mais, e desde que saíste
Desta prisão fechada que é o mundo,
Meu coração é inerte e infecundo
E o que sou é um sonho que está triste.

Porque há em nós, por mais que consigamos
Ser nós mesmos a sós sem nostalgia,
Um desejo de termos companhia —
O amigo como esse que a falar amamos.


- FERNANDO PESSOA
(para Mário de Sá Carneiro)

T de "The days grow short..." (II)


When roses cease to bloom, dear,
And violets are done,
When bumblebees in solemn flight
Have passed beyond the sun,

The hand that paused to gather
Upon this summer's day
Will idle lie, in Auburn, -
Then take my flower, pray!


- EMILY DICKINSON





[ID, 'Pelos caminhos da manhã', 25/04/016]

quarta-feira, 20 de abril de 2016

R de Rezar na era da técnica (XXII)




Tadao Ando's Church of Light, in Osaka
 [Photograph by Hiroshi Sugimoto]

sábado, 16 de abril de 2016

M de Meia-estação



[ID, Regresso ao trabalho, 12/04/016]

sexta-feira, 15 de abril de 2016

S de Sexta-feira (III)


AQUI


Eu estou sempre aqui.
RUY CINATTI


Gostava da chuva mansa
dos dias do norte,
adorava a humidade sobre o rosto:
pouso no chão o telefone
sobre o tapete cinzento
e ajusto a luz nas persianas;
ria-se por nada às sextas-feiras
quando ao entardecer
enlouquece de súbito a cidade:
fecho a varanda
em pleno agosto para impedir
que se espalhe a campainha;
não perdia uma única
das manhãs de feira,
as rifas, as lojas com sardinhas:
abro um livro para fechá-lo,
não me sobressalte a meio de um verso
o som do telefone;
atava à esquerda
o cachecol sobre a gabardina
desproporcionalmente clara:
ponho um disco, embora baixo,
e olho com prazer o aparelho
mudo sobre o tapete;
gostava de passar a noite em comboios,
apanhar aviões, camionetas
para qualquer lado:
no meu caderno anoto uma data mais,
outro dia, outro mês, outro ano,
eu estou sempre aqui.



José Ángel Cilleruelo, Antologia,
trad. Joaquim Manuel Magalhães,
Lisboa: Averno, 2005

quarta-feira, 13 de abril de 2016

C de Cicatriz (V)


26 – DO TEMPO

Todo o tempo passado a trabalhar. Todo o tempo passado a falar com gente cheia de aspirações concretas. A esgravatar caminhos alternativos ao caminho que desde sempre soube e é o meu. Todo o tempo sóbrio, bêbedo, acordado, aqui. Fora da minha nuvem, Britânia imaginária. Todo o tempo perdido. Tanto. Roseiras por enxertar. Trutas à deriva. Bibliotecas de couro. Cavernames. Oboés doidos na charneca fria. Nunca os tocarei. O Tempo, indemne, não indemniza. Não se desdobra. Não se recupera. Resta-me ronronar e gemer. Ser gato. Exprimir o inefável com um orgulho estóico mas envelhecido. Tardio. O pêlo caindo. A pele demasiado larga para a carne. Peritonite infecciosa felina. O fim a instalar-se por toda a parte. O olhar triste. A espera. A inevitabilidade. Não conseguir saltar e saltar. O sonho. A sublime humanidade dos bichos. A redenção. Privada. Como uma cicatriz que torna a pele única e intransmissível e, por isso mesmo, mais bonita.


Miguel Martins, Lérias,
Lisboa: Averno, 2011

terça-feira, 12 de abril de 2016

S de Solidão (ou C de Comunidade) - LXIV


[...]

Davvero chiedono gli uomini altro che vivere?
pergunta Pasolini.

- Não percebo.

«Na verdade, clamam os homens por mais do que
viver?»

O pior é que viver
está nas mãos
dos donos disto, que, magnânimos, é certo,
há séculos que se contentam
com cobrar em trabalho
a riqueza e progresso, dizem,
que eles trazem à humanidade,
os donos deste tempo
e deste espaço,
bem como os que o não são
e querem ser, que são quase todos,
e nem sabem que ser donos
também tem dono.

Não me interesso muito por eles,
mas eles muito por mim, quer dizer,
por tudo à minha volta.

São imprevisíveis dentro do previsível,
ameaçam tornar as coisas certas
cada vez mais incertas,
controlam tudo:
agem, em suma,
como qualquer patrão.

Amigos, alguns, poucos,
eles já são poucos,
ou seja, poucos dos poucos,
ajudam-me quando preciso,
tentam que não seja já despedido
ou me despeça eu já.

Lembro-me dum slogan antigo:
«Os que podem aos que precisam».
«Precisar» é um verbo regular,
quer dizer,
constante na forma,
de uma à outra ponta
da sua vida verbal.
«Poder» não é,
regula e desregula ele mesmo
conforme lhe apraz que seja
e regulou e desregulou sempre
no passado e no presente.
Será este um resumo
de tudo?

- Quem sabe?


Alberto Pimenta, nove fabulo, o mea vox / de novo falo, a meia voz,
Lisboa: Pianola, 2016

sábado, 9 de abril de 2016

J de (O) Jardim e a Casa (XI)


TEMPO


I

Enquanto dormes
as estações passam
sobre a montanha.

A neve no alto
fundindo-se dá vida
ao vento:
atrás da casa o prado fala,
a luz
bebe os vestígios de chuva nos caminhos.

Enquanto dormes
anos de sol passam
entre as copas dos lariços
e as nuvens.


II

Posso colher junquilhos
enquanto dormes
porque sei onde crescem.
E que a minha verdadeira casa
com as suas portas e as suas pedras
fique distante,
que nunca mais a encontre,
mas continue errando
pelos bosques
eternamente -
enquanto dormes
e os junquilhos crescem
sem trégua.


Antonia Pozzi, Morte de uma Estação,
com sel., trad. e capa de Inês Dias,
prefácio de José Carlos Soares e posfácio de Matteo M. Vecchio,
Lisboa: Averno, 2012







[ID, Jardim Botânico da Ajuda, 03/12/011]

sexta-feira, 8 de abril de 2016

I.

Entre vinte montanhas cobertas de neve,
A única coisa que se movia
Era o olho de um melro.


II.

Eu tinha três ideias em mente,
Como uma árvore
Em que estão três melros.




Wallace Stevens
[Trad. e fotografia: Inês Dias]

E de Espera (LVII)


Não é por acanhamento que olha para o chão,
mas pela volúpia da surpresa.

É capaz de percorrer bairros inteiros a matutar
no xadrez das calçadas.
em busca do vagaroso rei dos seus olhos.

Nos lancis vê peitos magros de braços guindados,
caudas enroscadas em flechas.
Em soleiras de portas,
canhões antiquíssimos a fumegar ainda
por entre a lã do movimento.

Fascina-a sobretudo a repentina simetria
dos pingos de chuva.

As vozes atravessam-na como bandeiras desferidas
no cimo da mais erma colina.
Toda a paisagem, fechando os olhos,
é uma investida solitária,
vociferada à constelação de nuvens que
circunspectamente
vai amparando o céu.

Ela sabe que entre a terra e o espaço
também os olhos se fecham.
O mundo é, a todas as horas, nas nações
e nos bosques, o útero de um raríssimo encontro
de bichos predadores
a que os deuses chamam embaixada.

No teu sonho, quando a tocas,
ela junta os pés,
como quem namora um precipício,
e balouça-se para trás.
Estranhamente, também tu sentes
que passaste os anos a fixar o caminho,
que só agora, na linha dos seus ombros,
surge o horizonte inapelável
da encarnação.

Que entre ti e ela é a terra e o espaço
que cruzam os olhos.


Vasco Gato, Primeiro Direito,
Lisboa: Artefacto, 2016

terça-feira, 5 de abril de 2016

P de (Po)ética (XLII)




Andrei Tarkovsky
(4 de Abril de 1934 - 1986)

segunda-feira, 4 de abril de 2016

O de "O mar, o mar" - VII b


"[...] estar ao abrigo do fim do amor, 
é a isso que eu chamo felicidade."


MARGUERITE DURAS




[ID, 'É aqui o amor?', 2015]

domingo, 3 de abril de 2016

P de Poética (XLI)



[Inês Dias, Lisboa, 12/03/016]



*




[Inês Dias, Lisboa - 24/02/012]

sábado, 2 de abril de 2016

sexta-feira, 1 de abril de 2016

S de Satisfação (há-de deixar-se fotografar umas vezes)


"Dark is a way and light is a place."

DYLAN THOMAS









[ID, Barnabé, 31/03/11]