quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

M de 'Mourned by the wind'


 "[...]

Este texto não existiria se eu não tivesse visto ontem, no claustro da Sé de Lisboa, uma grade românica do século XIII. Há oito séculos que estes pássaros não cantam, que estas cobras não deslizam pela relva húmida, que estas osgas não sobem paredes esboroadas. Ninguém sabe, aliás, que mãos lhes deram forma, que nome atribuir à beleza leve e robusta desta grade. Sabemos apenas, como diria Rui Chafes, que ali o ferro se fez vento - e que o vento chegou até nós, incólume e cantante. Estes pássaros, estas cobras, estão muito mais vivos do que nós, indiferentes a modas, balanços e ao Juízo Final. Não têm tempo, porque são o próprio tempo, traduzido em ferro por mãos feitas de nada e de ossos breves."


- Manuel de Freitas, 769118,
com capa de Inês Dias e arranjo gráfico de Pedro Santos,
Lisboa, Averno, 2020



[ID, Lisboa | 019]

2 comentários:

sonia disse...

Que momento mágico você me trouxe!!!

bea disse...

Texto tão bonito, até parece que vemos a leveza da aragem que se fez ferro desenhado; e, por detrás, as mãos, essas mãos de converter um ser noutro e que é ainda ele.