segunda-feira, 27 de julho de 2009
H de Humanidade
PRESÉPIO ANIMADO DA RIBEIRA GRANDE
Ainda todos se lembram do dezembro de 96.
Era dia de natal. Na estrada que leva ao norte
da ilha, sob grande tempestade, trôpego, na
berma, um gato de pelagem branca. Parecia
ferido. Fêmea branca, a que chamariam persa
de pêlo curto, tinha uma chaga na orelha
alastrava pelo crâneo e pela fauce e
olho. Massa disforme de carne e sangue,
pancada de carro ou parede de muro desabado
a ferida. Animal muito manso, delicado e
tímido, deixou que me aproximasse
lhe pegasse e a trouxesse para dentro do
meu carro. Tremia de frio e também de medo e
dor. Enchuguei-a com um pedaço de
flanela, dei por mim chamando-lhe
Princesa: era muito nova, pequena,
de um branco que resistia ao lixo da terra
da quase sarjeta de onde a tirei; olhos
claros, amendoados. A mais
delicada e triste das gatas com a horrível
ferida a alastrar, implacável. Uma
gangrena que exalava cheiro pestilento
- a princesa branca apodrecia no dia
de natal. Havia uma caixa de cartão
no banco traseiro, coloquei-a dentro e
descobri a casa do veterinário. Era uma pasta
de sangue, carne e urina tão assustada
estava. O médico agarrou-a - eles já
cheiraram muita pestinência, os veterinários -
fez-lhe festas. Era muito meiga. Não
pude olhar enquanto a matava; meteu o
corpo branco, ainda quente, na caixa de
cartão. Levei-a, morta, e com aquele cheiro;
já quase noite. Enterrei-a num pequeno
jardim, bem perto do presépio animado da Ribeira
Grande, que nesse fim de dia de natal ainda
visitei. As lágrimas de nada servem, nem
por uma gata branca a que chamei Princesa,
durante uma escassa hora, a debater-se
com a morte. O sangue, a urina
o cheiro da gangrena. Este é o inferno
dos mortais, a sua beleza e fragilidade. A
morte é uma coisa e a vida, a mesma
coisa. A face da morte é o reflexo da
vida quando se debruça sobre a superfície
da ilha. Luze em todos os natais, suave,
esbatida de traços - palavra de traição
que rodeia o medo, o abandono.
João Miguel Fernandes Jorge
sexta-feira, 17 de julho de 2009
L de Ler ( = aprender = ser)
Um livro, em que leio frases que poderiam nortear a minha maneira de trabalhar:
Paulo da Costa Domingos, Narrativa, Lisboa: frenesi, 2009
Paulo da Costa Domingos, Narrativa, Lisboa: frenesi, 2009
"Porque a leitura faz de nós melhores pessoas; faz de nós pessoas. Aprendi eu isso."
"Ler, não chega; há que ver e ouvir pela abertura do coração, comovidamente."quinta-feira, 16 de julho de 2009
M de Morte
Um livro:
(com capa - belíssima - de José Francisco Azevedo)
Uma citação:
"A morte da minha mãe foi sentida de forma diferente. É um vazio assombroso. É uma perda contínua que não se atenua. Um susto. E agora? Muitas vezes penso que tenho de falar com a minha mãe sobre aguma coisa. Penso, vou dizer à minha mãe que... e depois lembro-me que ela já não existe. E agora? Falo com quem? A morte de uma mãe é uma coisa muito estranha. É quase uma dor física. É como cair num buraco de repente e estar tudo preto à volta."
Maria do Céu Guerra, em entrevista à Revista Única, de 18 de Julho de 2009.
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