Réveillon
As vozes. Os gestos. A passagem dos minutos, dos segundos. Lá fora, o frio intransitável. O coração reduzido ao receio do sangue sem diálogo (o pacífico punhal na bainha). A música à beira do excesso.
O ausente amantíssimo mas que não ousa o gesto decisivo. O vinho fluindo, o olhar interior fixo no horizonte, a mais ninguém visível. O rosto inebriado, sem lágrimas.
À meia noite as taças erguem-se até aos lábios sôfregos de esperança. No instante que mais confina com o silêncio, tudo mergulha no primeiro dia do eterno retorno.
O ausente amantíssimo. E o outro, deste lado do oceano. Habitando os dois a saudade, num coração solitário, à beira da explosão.
Lá fora, as estrelas brilham menos. Alguém começa a antever ao longe, muito ao longe, o cortejo da madrugada.
Londres, 1 de Janeiro 1997
Alberto de Lacerda, O Pajem Formidável dos Indícios,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2010
Lisboa, Assírio & Alvim, 2010
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