O que sei de belo, de grande ou de útil, aprendi-o nesse tempo: o que sei das árvores, da ternura, da dor, e do assombro, tudo me vem desse tempo... depois não aprendi coisa que valha. Confusão, balbúrdia e mais nada. Vacuidade e mais nada. Figuras equívocas, ou, com raras excepções, sentimentos baços. Amargor e mais nada. Nunca mais... Nunca Londres ou a floresta americana me incutiram mistério que valesse o dos quatro palmos do meu quintal. Nunca caça às feras no canavial indiano foi mais fértil em emoção e aventura, que a armadilha aos pássaros na poça do Monte, com o Manuel Barbeiro. Uma nora, dois choupos, a água empapada, e, entre as ervas gordas como bichos, pegadas de bois cheias de tinta azul, reflectindo o céu implacável de Agosto. Os pássaros com as suas asas abertas desconfiam e hesitam: a sede aperta-os, o sol escalda-os. Mal pousam na armadilha agarramo-los com ferocidade. Chiu!... Uma andorinha descreve lá no alto um círculo perfeito, e vem, no voo desferido, arripiar com o bico a água estagnada. Toca numa palheira de visco - é nossa! Já tiveste nas mãos uma andorinha? É penas e vida frenética. E essa vida pertence-te!... Só ao fim da tarde regressava a casa com os bolsos cheios de rãs e os olhos deslumbrados.
Raul Brandão, Se tivesse de recomeçar a vida