[Carlos Botelho, “Retrato de Berta Mendes” - detalhe, 1932]
ATENÇÃO
ATENÇÃO as aranhas percorrem a cidade
os vermes infiltram-se Deus não pára de morrer
Exaustivamente a noite despe-se para o amor
sujo baleado sinistro
Os assassinos rodeiam a mesa de oiro
pesados de ódio metálicos podres
e as múmias falantes completam o seu dia
Estamos cercados de postes
devorando automóveis telégrafos
a minha ternura é este avião que passa
este cigarro de treva e limo
Nascemos (ouve-me bem) para alimento da noite
sem outra voz senão veneno
porque entre os vidros e o horizonte
são doidos e lívidos os sonhos que restam
Chegaram panteras escarlates a moer raiva
amantes aterrorizados horas precipícios
e nem uma pequenina flor ou uma praia
ou um leito para estendermos os cabelos
Só a miséria destas noites o cansaço deste tempo
E o MAR entre fumo e chuva
o AMOR dissolvido sob uma campânula a VIDA
António Barahona, Pássaro-Lyra (Primeiro Tomo da Suma Poética),
Lisboa: Averno, 2015
[ID, Sintra, Maio 011]
1 comentário:
Muito bem. Muito bem, mesmo.
Vítor
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