quinta-feira, 31 de maio de 2012

P de Pássaros anónimos (XI)

E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XXVII)


Walker Evans,


*




Jean Cocteau, Le Discours d'Oxford, 1956

E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XXVI)

«"Transformer le monde", a dit Marx; "Changer la vie", a dit Rimbaud; ces deux mots d’ordre pour nous n’en font qu’un.»

ANDRÉ BRETON

quarta-feira, 30 de maio de 2012

F de Flor Suficiente - XVIII b

F de Flor Suficiente (XVIII)


Jean Cocteau, O Testamento de Orfeu, 1960

terça-feira, 29 de maio de 2012


— Aproxime-se. Você, você.
— Eu?
— Sim.
— O seu nome?
— Orfeu.
— A sua profissão?
— Poeta.
— Aqui diz escritor.
— É quase a mesma coisa.
— Aqui não existe "quase". O que quer dizer com poeta?
— Escrever sem ser escritor.

Jean Cocteau, Orfeu, 1950

F de Flor Suficiente (XVII)



Florence Henri, "Vue de ma fenêtre (Bretagne)", 1935

segunda-feira, 28 de maio de 2012

M de Mesa de Amigos (IV)

 [Lisboa, 10/10/10]




[Lisboa, 26/05/12]

domingo, 27 de maio de 2012

O de "O mundo está escuro: ilumina-o." (XXI)



[Sete Rios, 25/05/12]

sexta-feira, 25 de maio de 2012

E de Espera (XVIII)

INCERTEZA



Até onde nos transformam as certezas?

Como o gato de Schrödinger,
não sei
                se vai viver,
até que abro a caixa:

agradeço ao amor a sua incerteza.



Josep M. Rodríguez
[Trad. ID]
[...]

Peço-te notícias tuas e da pouca gente que interessa. E auguro-te uma possibilidade de saída. Sei que nunca serás afogado por santaréns e isso assegura-me no que respeita à viagem de que participamos nós dois e uns tantos mais que resistem como se pode e quanto se deve. Deixa os papagaios com os seus joguinhos de paciência. Nunca aprenderão nada que já não saibam e o que sabem é o lixo da Consciência Geral. Escreve.

[...]


Manuel de Castro, Nada de mutações bruscas na paisagem,
Lisboa: Alexandria, 2003

quinta-feira, 24 de maio de 2012

C de Começar o dia com um livro novo (VIII)

2

   
  
Da paixão cansei me (pode acolher tanta morte um corpo, esse mesmo que brilha à luz do desejo, esse mesmo que guarda a promessa da alegria). A verdade gastou se (é o mais fácil de perceber: a verdade gasta se, quando chegamos ao lugar de a encontrar, sabemos por fim que não existe). Sobrou o que sou e o que não sou também, pelo meio a linha de uma estreita solidão, e é isto que te dou (isto o que te posso dar). Só aqui, só agora, este sorriso de estar vivo, e por vezes o cansaço, tantas vezes o cansaço (que embora não pareça, faz parte do sorriso). E agora já me entendes? E agora ainda me queres?


- Jorge Roque, Canção da Vida,
   Lisboa: Averno, 2012

P de Poética (XXIII)


René Magritte

quarta-feira, 23 de maio de 2012

P de Perder a cabeça (VI)



Breviário de Renaud de Bar, 1300-1350 (Verdun)


*





B de Biorritmo (CXXXIII)



    
Manuel de Castro, Paralelo W (edição do autor)

F de Feira do Livro - c



André Breton e Paul Éluard, A Imaculada Concepção (Estúdios Cor)

terça-feira, 22 de maio de 2012

T de Tempo Sem Tempo (X)

PAISAGEM IDEAL



Tínhamos de aceitar o mundo como nos era dado:
A ama passivamente sentada no parque
Raro abordada por príncipe disfarçado.
As manhãs sucediam-se iguais e nuas
Em salas de ser-eu onde nós acordávamos
Para ver o hoje como o ontem desdobrado.

Os nossos amigos não eram de beleza sobrenatural
Nem falavam com línguas de ouro; os nossos amantes
Atabalhoados quando mais perfeição esperávamos,
Ou escondiam-se em armários, os céus a troar.
O humano erguia-se para sempre nos assombrar,
Maculado, em carne viva, exigindo mais do que podíamos tolerar.

E sempre o tempo a correr como um eléctrico
Pelas ruas de uma cidade estrangeira, ruas
A desembocar em praças amplas e soalheiras
Que nunca reveríamos, nem mapa algum poderia mostrar -
Jamais aquelas fontes na mesma luz lançadas,
As estátuas verdes e brancas, as árvores douradas.



- Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem (Cotovia)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

P de Personagem



Manuel de Freitas, Marilyn Moore, Lisboa: Assírio & Alvim, 2011

M de Música para os meus olhos (XXVIII)

O de "O mundo está escuro: ilumina-o." (XX)



No regresso à casa-casa, ontem.

domingo, 20 de maio de 2012

R de Realizar (XII)




R de Rezar na era da técnica (VIII)

Lido ontem, a 3 vozes, entre outras vozes verdadeiramente à escuta:



Poesia



A bala no cérebro de Maiakóvski. A tuberculose de Álvares de Azevedo. O seppuku de Yukio Mishima. A miséria de Orides Fontela. A orelha de Van Gogh. A roupa puída & suja de Edgar Allan Poe. O tráfico de fogo de Arthur Rimbaud. A pindaíba de James Joyce. Os processos de Allen Ginsberg. O gás de cozinha de Torquato Neto. A cirrose hepática de Paulo Leminski. O vômito de Jimi Hendrix. O manicômio de Antonin Artaud. O salto de Ana Cristina Cesar. O tiro de espingarda de Hunter S. Thompson. A mágika sem lágrimas de Aleister Crowley. A gravata de Santos Dumont. O Hotel Inglaterra de Serguei Iessiênin. O desespero idílico de Werther. A convicção de Carlos Marighela. O cárcere de Rubin Carter. Os narcórticos & o forno de Sylvia Plath. O maligno plano virtual de Yoñlu. A heresia de Giordano Bruno. O mar salgado de Hart Crane. A extradição de Olga Benário Prestes. O tiro natalino no peito de Raul Pompéia. A morfina de Jack London. As ondas de Violeta Parra. O Sena de Paul Celan. O desespero de Walter Benjamin. O hospício de Lima Barreto. Os cinco frascos de arseniato de estricnina de Mário de Sá-Carneiro. A conversão de José Vicente. A forca de Ian Curtis. A crucificação de Jesus Cristo. A tara de Pier Paolo Pasolini. O silêncio de Buda. As quarenta doses de uísque de John Bonham. O chumbo na massa encefálica de Kurt Cobain. Os flagrantes delitros de Fernando Pessoa. O copo de vodca sobre a cabeça de Joan de William Burroughs. Os romances de Roberto Bolaño. A queda do helicóptero de Randy Rhoads. A coragem de Ernesto Che Guevara. As janelas de vidro de Unica Zürn. A calma do bosque de Wendy O. Williams. A sífilis nervosa de Manuel Laranjeira. A Praça da Glória de Pedro Nava. O câncer de próstata de Mario Monicelli. A gentileza do Profeta. A solidão do Tartaristão de Marina Tzvietáieva. Os radiogramas de João Cândido. O ataque cardíaco de Antonio Calixto. Os últimos tostões para Regine de Søren Kierkegaard. A decapitação de Zumbi dos Palmares. As proposições factuais da Primeira Guerra de Ludwig Wittgenstein. O esfolamento & o monóxido de carbono de Stuart Angel Jones. A queda de cinco andares de Jeanne Hébuterne. Os dedos triturados de Victor Jara. Os trilhos do Engenho Novo de Marcelo Gama. Os dezesseis tiros de calibre 38 & 45 no coração de Malcolm x. Os dentes no estômago de Joaquim Câmara Ferreira. O violento traumatismo craniano de Steve Biko. O rebolado de Harvey Milk. A copa do álamo de Frei Tito. O câncer no ovário de Clarice Lispector. O sonho de Martin Luther King. O fim do sonho de John Lennon. As 32 fugas, os 73 processos, os 530 inquéritos por roubos assaltos & estelionatos & as 28 facadas no corpo de Lúcio Flávio Vilar Lírio. A angústia de Graciliano Ramos. A cadeira elétrica de Nicola Sacco & Bartolomeo Vanzetti. O tiro no coração de Jacques Rigaut. A valentia de Frank Zappa. Os 109 dias de tortura de Eduardo Collen Leite. A cabeça desaparecida de Antonio Conselheiro. O misticismo de Guimarães Rosa. Os mais de cem tiros na carcaça de Cara de Cavalo. A cachacinha & o torresminho de Hélio Oiticica. A arma (presenteada por Fidel Castro) de Salvador Allende. A estrela no buraco dos olhos & o diálogo da tristeza com o fim de Cesare Pavese. A overdose de barbitúricos de Alejandra Pizarnik. A coragem, o amor, Dorine & André Gorz.



- Fabiano Calixto
in Telhados de Vidro n.º 16, Lisboa: Averno, 2012

sábado, 19 de maio de 2012

N de Natureza morta (?)



[Lisboa, 16/05/12]
[Coimbra, 13/05/12]



sexta-feira, 18 de maio de 2012

J de Janelas (XII)



Coimbra, 13/05/12



quinta-feira, 17 de maio de 2012

E de Espiga (III)

4



Quando conheci a Morte
o verão era um tigre
a respirar junto do meu pescoço.
E a Morte estava embriagada de abelhas;
a Morte era metálica.


À espera entre folhas verdes
a Morte usava o vermelho da raposa;
as abelhas como pepitas de ouro
fervilhavam no coração da Morte.
O sangue da Morte era negro.


Sobressaltada, regressei
a um súbito isolamento.
Agora já sei a cor da estação da Morte:
ouro, vermelho e verde.
A língua da Morte é negra.


- Rikki Ducornet
[Trad. ID]

S de Solidão (ou C de Comunidade) XLV

RAMAS

¿No vas muy solo?, me preguntó con malicia la encina junto al sendero. Qué va —le respondí—, no ves que voy de la mano con mis sueños.Una brisa sacudió sus hojas y mientras me alejaba oí que decía algo. El castaño de indias, un poco más arriba, insistió: ¿En el bosque tan sin nadie? Viejo cascarrabias, te estás quedando ciego—le espeté, y seguí mi camino. En el pinar, el arisco artesonado de sus copas no se enteró de que recogía al paso piñones que ensuciaban mis dedos. Ni nos ven, le dije al silencio que me acompañaba.
   
    

B de Biorritmo (CXXXII)



[...]
Anonyme is best
and life grows stranger every day
Has anybody dared to be more than dead 

[...]

H de "Hay que beber para recordar y comer para olvidar" (XII)


Ontem.


quarta-feira, 16 de maio de 2012

B de Biorritmo (CXXXI)



Once that you've decided on a killing
First you make a stone of your heart
And if you find that your hands are still willing
Then you can turn a murder into art

[...]

T de Tratado de Pedagogia (LII)



John 'Hoppy' Hopkins, "Cowboys"

terça-feira, 15 de maio de 2012



Obrigada, Guida.
Sim, as várias opções são verdadeiras. 
E, na outra metade da fotografia, ficou essa poesia que, às vezes, não é o menos.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XXV)



Coimbra, 13/05/12

E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XXIV)

Yes, I am a thief of thoughts
not, I pray, a stealer of souls
I have built an' rebuilt
upon what is waitin'
for the sand on the beaches
carves many castles
on what has been opened
before my time
a word, a tune, a story, a line
keys in the wind t' unlock my mind
an' t' grant my closet thoughts backyard air
it is not of me t' sit an' ponder
wonderin' an' wastin' time
thinkin' of thoughts that haven't been thunk
thinkin' of dreams that haven't been dreamt
an' new ideas that haven't been wrote
an' new words t' fit into rhyme
(if it rhymes, it rhymes
if it don't, it don't
if it comes, it comes
if it won't, it won't)

no I must react an' spit fast
with weapons of words
wrapped in tunes
that've rolled through the simple years
teasin' me t' treat them right
t' reshape them an' restring them
t' protect my own world
from the mouths of all those
who'd eat it
an' hold it back from eatin' its own food
(influences?
hundreds thousands
perhaps millions
for all songs lead back t' the sea
an' at one time, there was
no singin' tongue t' imitate it)
t' make new sounds out of old sounds
an' new words out of old words
an' not t' worry about the new rules
for they ain't been made yet
an' t' shout my singin' mind
knowin' that it is me an' my kind
that will make those rules . . .
if the people of tomorrow
really need the rules of today
rally 'round all you prosecutin' attorneys
the world is but a courtroom
yes
but I now the defendants better 'n you
and while you're busy prosecutin'
we're busy whistlin'
cleanin' up the courthouse
sweepin' sweepin'
listenin' listenin'
winkin' t' one another
careful
careful
your spot is comin' up soon


Bob Dylan,
citado em
Gilles Deleuze e Claire Parnet, Dialogues (1977)

F de Flor Suficiente (XV)



Conímbriga, 13/05/12

sábado, 12 de maio de 2012

R de Realizar (XI)

sexta-feira, 11 de maio de 2012

S de S.T.T.L.

T de "(um) torso dobrado pela música" (XI)

ARPEJOS



derrotada pela palavra
que molhou com mel
ela não mais acredita
em cerâmicas chinesas, dicionários, flamboyants etc.
mas quando se debruça (como as glicínias
seus azuis
à atmosfera ainda nua)
à janela
a contemplar a tarde
algo premeditado
entre as forças do universo
age
deflagrando uma geometria particular
a partir de seu dedilhado
ao antebraço


Fabiano Calixto


quinta-feira, 10 de maio de 2012

S de Solidão (ou C de Comunidade) XLIV



França, 1924

[...]

não deixar que a repetição se torne uma casa. Repetir para matar e não para continuar, de modo que um passo, um murmúrio, um olhar sejam um nascimento. Que o cutelo do talhante não regresse ao início. E cada golpe atinja a violência do reconhecimento, para que nem a memória resista. E o animal se torne carne. E de carne se faça o verbo. Do verbo, a letra. Da letra, um pequeno risco. E do desencontro, o desencontro. Que não sabe falar: só um sussurro, sem deus, sem anjo, sem tragédia. Quase sem história. [...]


Rui Nunes, Barro



quarta-feira, 9 de maio de 2012

F de Feira do Livro - b

A ALMA



Um pouco mais tarde, quando andava na escola e possuía já algumas noções de cosmografia, tive da alma a seguinte representação, que eu sabia que era um simples fantasma, mas que não deixava de estar indissoluvelmente ligada à ideia que tinha dessa entidade: uns desses biscoitos, feitos de uma massa leve e seca e atravessados de um lado ao outro por uma comprida agulha na vertical, que se metem entre as grades das gaiolas para servirem de alimento aos passarinhos.

[...]


Michel Leiris
[O que eu estou a gostar deste livro...]



T de Tempo Sem Tempo (IX)

 
“Aqui não há tempo – sussurrou-me o texto.”
Maria Gabriela Llansol,
Lisboaleipzig 2 – o ensaio de música,
Lisboa: Rolim, 1994

terça-feira, 8 de maio de 2012

F de Feira do Livro

De André Breton / Paul Éluard
in "O Juízo Original":

[...]
  •  Faz para ti sem franzir as sobrancelhas uma ideia possível das andorinhas.
[...]
  • Corrige os teus pais.
[...]

  • Imagina que esta mulher está contida em três palavras e que esta colina é um abismo.
[...]
  • A tua liberdade com a qual me fazes chorar a rir é a tua liberdade.
[...]
  • Não deixes de dizer ao revólver: Muito lisonjeado mas parece-me tê-lo já encontrado em qualquer lado.
[...]
  • Nada tens para fazer antes de morrer.
[...]
  • Nunca esperes por ti.
[...]
  • Não anules os raios vermelhos do Sol.
[...]

T de Tempo Sem Tempo (VIII)

POEMA Nº3



foi um dia
sem, assim

(a data me esperava na esquina)

andando

(talvez nem tenha escovado os dentes)

sem, assim

(tinha pouco mais que um
real

pouco mais que uma
luz
no fim do túnel

só esperava a espera

- o dia media-me a quaresmas)

sem,
assim

(o telefone público destruído

nada nos olhos do cãozinho envenenado
caberia neste real

ser? (estupor?) será?
(sem?) tédio? (assim?)
maior?)

assim


Fabiano Calixto, Música Possível,
São Paulo: Cosac Naify, 2006

T de Tratado de Pedagogia (LI)



Hugues Erre

segunda-feira, 7 de maio de 2012

R de Rebeca (XIII)

CÃO
[Jardim das Colónias, 1906]

Para a Rebeca,
primeira e única

Não quero mais Oriente.
Cansei-me do amanhecer
com a sua urgência gasta                
de partir, buscar, perder.

Troquei-o pela certeza
nocturna do teu regresso,
o ângulo previsível dessa mão
descendo sobre o meu pêlo sempre frio
como uma casa pousada no Inverno.

Quero um tempo com segredo,
bailarina de saia esfarrapada
numa caixinha de música
que só tu possas abrir
e sentir ternura pela morte,
a única separação que nunca me ensinaste.


Inês Dias, In Situ,
Lisboa: Língua Morta, 2012
REBECA


Já não vai buscar a bola,
defendê-la entre o cetim dos dentes
ou fugir como quem procura,
enquanto me obrigava
à altura baixa que deixou de ter,
na alcatifa de que foi princesa
e eu agradecido súbdito.

Já não – sempre já não –
os dias que quase vivemos,
prometidos à extinção, avessos
à rima inútil de um sorriso.
Tenho os dedos secos, sossegado
o colo onde depunha sem favor a cauda.
Yorkshire Terrier, seis anos, morta.

Nunca a incomodou que
eu cheirasse – e muito – a gato.
Seguia a bola, indiferente
ao pavor de haver mundo, corpos
inertes, cadáveres que gostaram dela.

E de quem gostou, pois um animal
não mente: existe como não sabemos,
na mais curta distância, numa rendida
proximidade que subitamente termina.

Foste poupada ao cálculo, à usura
– mas nem por isso à dor,
pequena distracção de Deus.
A bola chegou ao fim do corredor
e ninguém ma trouxe, desta vez.
Vencer essa dor é encontrar mais dor,
chamar por um nome que não existe.

A não ser que conheças Lázaro (mas
Lázaro, receio, é nome que não se dá a um cão)
e que ele tenha uma bola só para ti
e que o teu pêlo de cobre e prata
volte a ser uma certeza,

vou ter, Rebeca, muitas saudades tuas.

Manuel de Freitas, Theacher was here,
Lisboa, 2009

F de Fazer Fotografia - XIII d

Porque é que fotografamos?

Duas respostas em pedra,
depois de duas belíssimas respostas em palavras,
a uma mesa de amigos,
no sábado.
 
 

[Lisboa, 06/05/12]


P de (The) Privacy of Rain (XXVII)





A CANÇÃO DO VENDEDOR DE PIPOCAS


para Angélica Freitas
em frente ao
Banco de La Nación Argentina
o vendedor de pipocas
da avenida Paulista
desvenda os mistérios do Honda prata
que passa lentamente, soberbo
("coisa mais sem gente!")
pensa na noite crônica no organismo
da tiazinha de vestido florido (onde
predomina o ruivo)
agora assobia e coloca milho na panela
os estouros acordam a minha fome
(no El País

El presidente se apuesta por las políticas
a favor de los "más olvidados"
y "los que pueden menos" –
risco outro fósforo, acendo outro cigarro,
outra melodia
frustrated incoporated)

quando chega o outro, de bicicleta
notificando o acidente na Rebouças
("foi feio pra caralho, mano!")
logo envelopa a fala, se cala
a chuva recomeça sua cantilena
preciso das horas, mas não encontro meu celular
uma moça linda (ensopada) pára
em frente a mim,
balbucia
can you help me remember how to smile?

silencio e miro a placa brilhante
que traz o nome do meu amor
– imagino que as canções do Bob Dylan
existam para nos fazer suportar dias
como este – a
cidade se altera, oxida de
alteridade e acídia
(La Contenta Bar
está muito longe e
a noite passada
você não veio me ver)






Fabiano Calixto, Sanguínea,
São Paulo: Editora 34, 2007

T de Tratado de Pedagogia (L)


Peter Basch, "Reading the news?", New York, 1950’s

domingo, 6 de maio de 2012

L de Levantar a cabeça (X)



Regressam todos os anos e instalam-se no último andar do meu prédio
até os mais pequenos aprenderem a voar.


sábado, 5 de maio de 2012

sexta-feira, 4 de maio de 2012



Dmitry Baltermants

quinta-feira, 3 de maio de 2012

P de Poética (XXII)

CANÇÃO DA VIDA

3

Quero que se foda o sublime. A minuciosa construção do absoluto literário. Assim sem emendas e em rigoroso vernáculo, parece-me mais exacto. Quero que se foda o sublime (desculpem-me a repetição). Prefiro portas fechadas, casas destruídas, chaves de pouco ou nenhum uso para gestos de pouca ou nenhuma glória que são o absoluto onde me posso sentar para beber mais um copo deste vinho que te pinta os lábios e te acende nos olhos esse fulgor de luz, esse pulsar de salto, onde me lanço para voltar ou não voltar, mas ter cumprido do sangue o impulso. Quero que se foda o sublime (começa a saber-me bem repeti-lo, o ritmo sincopado conjugado com a limpidez expressiva). Estou a falar contigo, a viver contigo, a morrer contigo. Estou a dizer-te ama comigo, sofre comigo, morre comigo um pouco mais devagar.


Jorge Roque
in Telhados de Vidro n.º14 (Averno)

[Lisboa, 1º de Maio de 2012]


A minha capacidade de desilusão é inesgotável. E ineducável. Mantém-se felizmente e directamente proporcional à minha capacidade de surpresa; às vezes, ainda de assombro.
E escrevo-as. A ambas. Para nunca me esquecer de que estou só. Para nunca me esquecer, também, de que a minha solidão está acompanhada, tem vista para mais solidões. Como uma navegação de cabotagem rente a outros que não são margens, mas se deixam roçar (consolar?).
A memória de todas essas escalas é, simultaneamente, a de todas as partidas. É essa a aventura, o desequilíbrio necessário à escolha: deixar as luzes acesas nas salas do tempo ou apagar ainda mais o escuro. Seja como for, o contrário da indiferença. Sempre.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

T de Tratado de Pedagogia (XLIX)


Raymond Depardon, Children playing at “building the Wall”, Germany, 1962

P de Pele (III)

"A pele a pele esta planície das aves infelizes."

Rui Nunes,
Os deuses da antevéspera
(1977)

F de Fazer Fotografia (LXII)

[...]

- Vais.
Mas espera-te o mesmo. De vez em quando, abre-se uma nesga na indiferença do mundo e um freixo torna-se claro, uma sebe, uma ponte, um muro, a pena de uma rola, os lábios, uma palavra. Deus. É ali. E eu vou. Olhos abertos para a desolação de uma casa no meio de um ermo, de um vento cor de barro. De uma voz. E não se abria uma porta, nem se dava um passo. Só a voz tinha princípio e fim. É ali. O braço esticado à minha frente. E o dedo indicador, cheio de nódulos, a apontar.
E os meus olhos.
Que se lembram.
Lembram-se de ver.
[...]


Rui Nunes, Barro,
Lisboa: Relógio D'Água, 2012

terça-feira, 1 de maio de 2012