sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

P de "Paredes frias" (VI)


HOSPITAL CANTONAL DE PERREUX


Aqueles jardins tinham o gosto da anestesia
no céu da boca, havia longas alamedas
poluídas pelo segredo dos pavilhões proibidos.

Os internados dormiam toda a tarde sem ruído,
às seis vinham a tropeçar pelo refeitório,
cumprimentavam no seu francês turvado pelos químicos:
Ça va, m'sieur? Eu andava à procura de um acelerador
para a minha viagem, interrogava constantemente 
os meus oráculos, o livro aberto sobre as sombras
no terraço.

Eram mesmo para mim as mensagens que encontrei
nos muros de algumas cidades, ou foram só ilusões 
engendradas pelo acaso? Eu não sabia responder
naquela altura, tal como nunca soube. Às vezes
o silêncio de Perreux era confortável
para os meus sentidos, trazia-me depressa
o sono. Na manhã seguinte, eu voltaria a partir. 


Rui Pires Cabral, A Super-Realidade,
2.ª ed., Lisboa: Língua Morta, 2011

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