quinta-feira, 30 de julho de 2015

L de Ler (XII)


A FERIDA


A enorme ferida na cabeça começou a sarar
No início da sétima semana.
Os seus vales escureceram e as suas aldeias sossegaram:
De alegria não me movia nem ousava falar,
Não a curariam os médicos, mas o tempo com a sua perícia paciente.

E continuamente o meu espírito regressava a Tróia.
Após ter navegado pelos mares, de cada vez lutava
Em ambos os lados, partilhando o júbilo da condição
De Helena, e crescendo - para ver Tróia arder -
Como Neoptólemo, esse rapaz obstinado.

Deitado, eu descansava como estava prescrito.
Planeava com os Gregos e fazia sortidas
Diárias com Heitor. Por fim, a minha cama
Transformou-se na tenda de Aquiles, à qual o rústico
Tersitas vinha relatar os inúmeros mortos.

Era eu próprio: sem estar sujeito ao fôlego de outro homem:
O meu único comandante era o inimigo.
E enquanto o cinturão pendia, a espada na bainha,
Tersitas surgia arrastando-se exausto,
Vociferando a morte do meu amigo Pátroclo.

Gritei pelas armas, ergui-me e não cambaleei.
Mas, quando o pensei, a ira da sua nobre dor
Subiu-me à cabeça e, voltando-me, senti
Que toda a minha ferida se abria. De novo
Tive de deixar sarar aqueles vales iluminados pela tempestade.


Thom Gunn
in A Destruição do Nada e Outros Poemas, trad. de Maria de Lourdes Guimarães, 
Lisboa: Relógio D'Água, 1993

Sem comentários: