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A luz que ali existe é uma luz espiritual, que surge em raios quase imperceptíveis a partir do recém-nascido na manjedoura, à cabeça do qual aparecem uma série de anjinhos papudos com penteados pré-rafaelitas. Na base da manjedoura, o manto azul da Virgem torna-se no mesmo negro carregado da noite; o céu é da mesma cor do que se vê através da porta do estábulo. Numa colina distante, as sombras quase imperceptíveis dos pastores cuidam de um rebanho de ovelhas cinza metalizado. Acima destes, o anjo Gabriel paira num branco espectral e angélico; enquanto mais abaixo, o boi e o jumento, praticamente invisíveis nas sombras, adoram o menino. Geertgen transmite a escuridão da noite com uma mestria que eu nunca vi em nenhuma outra pintura - isto não é possível numa foto, e talvez seja apenas possível em filme, embora custasse uma fortuna em luzes para atingir o efeito. A noite em Hampstead é desta cor. As árvores tornam-se cerradas. A lua brilha clara como o anjo. As ervas são de um castanho espectral. Os ramos prateados como branco de giz, e cada forma dissolve-se nas sombras.
Derek Jarman, Chroma,
trad. de João Concha e Ricardo Marques, (não) edições, 2015