O MISTÉRIO DAS ORAÇÕES
Na minha família
as orações eram rezadas secretamente,
em voz baixa, o nariz vermelho sob o cobertor;
quase murmuradas,
com um suspiro no princípio e no fim,
fino e limpo como uma gaze.
Junto à casa
havia apenas uma escada para subir,
de madeira, encostada à parede o ano inteiro,
de modo a reparar o telhado em Agosto, antes das chuvas.
Mas, em vez de anjos,
subiam e desciam homens
sofrendo de ciática.
Rezavam-Lhe olhos nos olhos,
na esperança de renegociar os seus contratos
ou adiar os respectivos prazos.
“Senhor, dá-me forças”, nada mais,
pois eram descendentes de Esaú,
abençoados com a única bênção que restara de Jacob
– a espada.
Na minha casa
a oração era considerada uma fraqueza
que nunca se devia mencionar,
tal como fazer amor.
E, tal como fazer amor,
era seguida pela assustadora noite do corpo.
Luljeta Lleshanaku
in Telhados de Vidro n.º 22, trad. de Inês Dias e Marjeta Mendes, Lisboa, Averno, 2017