PARA A FEIRA DO LIVRO
A Ángel Crespo
Folheada, a fôlha de um livro retoma
o lânguido e vegetal da fôlha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a fôlha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em fôlha de árvore
melhor do que vento em fôlha de livro.
Todavia a fôlha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:
a palavra nela urge a voz, que é vento,
ou ventania, varrendo o podre a zero.
*
Silencioso: quer fechado ou aberto,
incluso o que grita dentro; anônimo:
só expõe o lombo, posto na estante,
que apaga em pardo todos os lombos;
modesto: só se abre se alguém o abre,
e tanto o posto do quadro na parede,
aberto a vida tôda, quanto da música,
viva apenas enquanto voam suas rêdes.
Mas apesar disso e apesar de paciente
(deixa-se ler onde queiram), severo:
exige que lhe extraiam, o interroguem;
e jamais exala: fechado, mesmo aberto.
João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra,
Rio de Janeiro: Editôra do Autor, 1966
(comprado, hoje, na Feira do Livro de Lisboa)