segunda-feira, 22 de agosto de 2011

S de Solidão (ou C de Comunidade) XXIX

Vejo os amigos intensos que passaram
da paixão ao amor e com ternura os vejo.
Não pertencem ao grupo dos que nos fazem
sentir ignorantes, sempre com citação
ou referência a propósito, por exemplo,
de um fogo na serra, de um cão que atravessou
a estrada. Nem ao grupo dos que colam
voz transformadora a cada partícula de real.
Os amigos intensos se fazem vénias
é por brincadeira, eu com eles concluo
do péssimo estado do mundo. Era bom, era,
que fosse apenas Portugal. Os amigos
intensos não têm uma receita para me dar,
sabem que não há duas passagens iguais
da paixão ao amor, mas que é preciso
passar. Quando estão juntos os amigos intensos
são terra e ar, e água e fogo, palha e prata,
luz e oiro, murmúrio de folhas, eterna
canção, jura infantil, pêndulo forte, morna
parede, jardim selvagem, desdém que pensa,
ritmo que vem lá de muito longe, paixão
que soube passar ao amor, encontro e calor.


Helder Moura Pereira, A tua cara não me é estranha,
Lisboa: Assírio & Alvim, 2004

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