A europa dos lugares indiferentes, dos aeroportos que se assemelham a longos corredores, fechados a intervalos rectangulares, por rectângulos a preto, o silêncio camuflado de alguns passos, a sombra pintada nas paredes, como nas auto-estradas as gralhas nos separadores de vidro, rodeia-nos a mentira, uma voz chama de nenhum lugar, uma voz transparente, que existe como uma casa, não uma casa mas, a minha casa, ou uma macieira, não uma macieira mas, aquela macieira que, no último verão não deu maçãs, ou um lagarto, não um lagarto mas, aquele lagarto que, no dia dos meus sete anos apanhei, bicho verde, com os flancos sarapintados de azul, que se estorcia na minha mão, que abria e fechava a boca, uma voz que é, só uma voz, sem boca nem corpo que lhe dêem a imperfeição de uma dor, ou de alguém que lhe responda, esta voz ouve-se como a luz se espalha, nestes corredores penitenciários, luz e voz não vêm de uma lâmpada nem de um altifalante, estão por todo o lado, estamos nelas, avançamos por elas, e elas avançam connosco, ou melhor, atravessamos sempre a mesma voz e a mesma luz,
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Rui Nunes, Uma Viagem no Outono,
Lisboa: Relógio D'Água, Junho de 2013
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