domingo, 22 de março de 2020

P de Poética (LVIII)


UM DESTINO


Luzes e cabanas
nas encruzilhadas
chamaram os companheiros.

Para ti, resta
esta pálida estrada na noite
que o vento te revela:
para a tua sede
a água das torrentes que caem,
para a pessoa exausta
a erva dos pastos que se renova
no espaço de um sono.

Absorto no seu próprio fogo
cada ser humano
se abandona a uma única vida.

Mas no teu
lento andar de rio que não encontra foz,
a prateada luz de infinitas
vidas - das estrelas livres
treme agora:

e se nenhuma porta
se abre para o teu cansaço,
se te é
devolvido a cada passo o peso do teu rosto,
se é tua
esta, mais do que dor,
alegria de continuar sozinha
pelo límpido deserto dos teus montes

aceita então
que és poeta.


Antonia Pozzi, Morte de uma estação, 2.ª ed. rev. e aumentada,
com sel. e trad. de Inês Dias, prefácio de José Carlos Soares, 
desenhos de Débora Figueiredo e arranjo gráfico de Pedro Santos,
Lisboa,  Averno, 2019

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