segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

P de Prazeres


A TIA JEANNETTE


Ela lia a borra do café
e dava o dinheiro aos cegos.
O resplendor da janela
atravessava-lhe a escassa cabeleira
até alcançar a demi-tasse que a mão segurava.

"Vejo tormenta", disse um dia.
Não sei se falava de mim.

A minha mãe encerrava a dor nos livros. E Jeannette,
que trazia no nome a sua sina, preferia a leitura do café.

Todas as tardes na sua casa a fila de mentes desesperadas:
que uma viagem, que a amante, que a morte,
um encontro, qualquer coisa
que tornasse extraordinária a sua vida simples.

Ela, Jeannette, era a essência imperfeita do amor,
cega entre cegos velava a tormenta. 

"Escreve tudo", disse-lhe, "escreve tudo o que vês."
Nunca me ouviu, ausente,
sob o esfumado da lua. 


Jeannette Lozano
in Los momentos del agua, Barcelona: Ediciones Polígrafa, 2006
[Trad. ID]






[Henri Fantin-Latour]

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