quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

P de "Portugal não é um país pequeno"


Tempos idos nada excluem
e a pouca certeza cansa. Cansa
a pobreza das alíneas à volta da idade,
e a vista não alcança.
Cansam as esferas e o céu, o apagão
nas pedras, a cinza num delírio, a terra
toda. Uma mina pegada cansa
a sombra debaixo do alpendre. Cansa
o trabalho, o usufruto, o verdadeiro cansaço. Cansa
quem cante o degelo nos desertos, o arvoredo
esvaído ao que aqui venha esporrar-se. Cansa
a caveira no lixo, a ilusão, o fim perante. Cansa
a distância no que é estar perto. Cansa
a erva da morte. Maré da sorte,
o nada sem vergonha aí ao debrum.
Cansa o verme na figueira. Cansa
a carne de palhaço, cansa
a tanta sede sem assunto.
O voo sem para onde ir
é a falta de ar.


Rui Baião, Insane,
Lisboa: Averno, 2014




[ID, Viana do Castelo, 17/08/2010]

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