terça-feira, 8 de dezembro de 2015

E de Espera (XIX)


PEQUENOS VIDROS AZUIS


Cobria a mesa com velas acesas
a macerada tarde do mês último –
   e escrevia em rectângulo
de papel bem aparado,

depois rasgava. Todos o podiam ver
sentado a essa mesa no cimo do parque,
a casa,
o vidro azul da janela

canal de água a par do caminho. Foi
quando surgiu o levadeiro
   – as velas de um sopro apagou –
caía a água na extensão da rocha

no perfume magoado de Dezembro
entre o rumor do vento
a sombra não se movia nem se prendia ao
traço do corpo, não imitava os gestos

em doce modo apagou todas as velas
ao que escrevia sem qualquer sentido
ao muro branco do nevoeiro
a última folha da faia rubra prendia a

vazia escrita do desejo, seguia-o
com o passo de um ladrão e o tremor
de quem falta a secreto juramento.


João Miguel Fernandes Jorge, Lagoeiros,
Lisboa: Relógio D’Água, 2011




[ID, Nazaré, 08/10/11]

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