terça-feira, 4 de setembro de 2012

J de Janelas (IX)


ALHEIO


Longo parece o dia a quem não ama
e ele sabe-o. E ele ouve esse som
curto e duro do corpo, a sua cansada
canção, tocando sempre à distância.
Fecha a sua porta e fica bem fechada;
sai e, por um momento, os seus joelhos
cedem até ao chão. Mas a aurora,
com perigosa generosidade,
refresca-o e ergue-o. Está muito clara
a sua rua e percorre-a com passos escuros,
e coxeia depois porque anda
só com o seu cansaço. E diz ar:
palavras mortas com a sua boca viva.
Prisioneiro por não querer, abraça
a sua própria solidão. E está confiante,
mais confiante do que ninguém porque nada
possuirá; e ele bem sabe que nunca
viverá aqui, na terra. A quem não ama,
como podemos conhecer ou como
perdoar? Dia longo e ainda mais longa
a noite. Mentirá ao tirar a chave.
Entrará. E nunca habitará a sua casa.



Cláudio Rodríguez, Alianza y Condena, 1965

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