domingo, 31 de março de 2013
sexta-feira, 29 de março de 2013
B de Biorritmo (LXXI)
En Viena hay diez muchachas,
un hombro donde solloza la muerte
y un bosque de palomas disecadas.
Hay un fragmento de la mañana
en el museo de la escarcha.
Hay un salón con mil ventanas.
¡Ay, ay, ay, ay!
Toma este vals con la boca cerrada.
Este vals, este vals, este vals, este vals,
de sí, de muerte y de coñac
que moja su cola en el mar.
Te quiero, te quiero, te quiero,
con la butaca y el libro muerto,
por el melancólico pasillo,
en el oscuro desván del lirio,
en nuestra cama de la luna
y en la danza que sueña la tortuga.
¡Ay, ay, ay, ay!
Toma este vals de quebrada cintura.
En Viena hay cuatro espejos
donde juegan tu boca y los ecos.
Hay una muerte para piano
que pinta de azul a los muchachos.
Hay mendigos por los tejados,
hay frescas guirnaldas de llanto.
¡Ay, ay, ay, ay!
Toma este vals que se muere en mis brazos.
Porque te quiero, te quiero, amor mío,
en el desván donde juegan los niños,
soñando viejas luces de Hungría
por los rumores de la tarde tibia,
viendo ovejas y lirios de nieve
por el silencio oscuro de tu frente.
¡Ay, ay, ay, ay!
Toma este vals, este vals del "Te quiero siempre".
En Viena bailaré contigo
con un disfraz que tenga
cabeza de río.
¡Mira qué orillas tengo de jacintos!
Dejaré mi boca entre tus piernas,
mi alma en fotografías y azucenas,
y en las ondas oscuras de tu andar
quiero, amor mío, amor mío, dejar,
violín y sepulcro, las cintas del vals.
Federico García Lorca, "Pequeño Vals Vienés"
I de Intimidade (II)
CADÁVER ESQUISITO HETERODOXO COM JOÃO RODRIGUES NO CAFÉ GELO EM 1961
Intimidade côr de bombazina
a cercar uma aranha de bambú
passa um polícia a cheirar a benzina
parte-se uma vidraça e surges tu
Sobrenadavam carpas na baía
um novo ritmo que vem de Las Vegas
daquele lado já nada se ouvia
quadrilha de gaivotas quase cegas
Por dentro era o som dum violino
por fora havia um vago marulhar
menos que nunca penso no destino
e bebo a tua sombra devagar.
António Barahona, O Som do Sôpro,
Lisboa: Poesia Incompleta, 2011
segunda-feira, 25 de março de 2013
C de "C'était lors de mon premier arbre" (II)
[...]
Hoje, se vou a Benfica, não encontro Benfica. Os pavões calaram-se, não sobra nenhuma cegonha na palmeira dos Correios (já não existe a palmeira dos Correios e a quinta dos Lobo Antunes foi vendida), o senhor Silvino, o senhor Florindo e o senhor Jardim morreram, ergueram prédios no lugar das casas, mas eu suspeito que por baixo destes edifícios de cinco e seis e sete e oito e nove andares, num ponto qualquer sob estas marquises e estas sucursais de banco, o senhor Paulo ainda conserta, com guitas e caniços, as asas dos pardais, a dona Maria Salgado ainda trota, de vivenda em vivenda, com a Sagrada Família, na sua redoma embaciada, o Lafaeite e o Jaurés jogam ao virinhas, na Calçada do Tojal, cercados de vasos de manjerico e madrinhas de chinelos. Não há pavões nem cegonhas e contudo a acácia dos meus pais, teimosa, resiste. Talvez que só a acácia resista, que só ela sobeje desse tempo como o mastro, furando as ondas, de um navio submerso. A acácia basta-me. Arrasaram as lojas e os pátios, não tocam o "Papagaio Louro" no sino, mas a acácia resiste. Resiste. E sei que se fechar os olhos e encostar a orelha ao seu tronco, hei-de ouvir a voz da minha mãe a chamar
- Antóóóóóóóónio
e um miúdo ruço atravessará o quintal, com um saco de berlindes na algibeira, passará por mim sem me ver, e sumir-se-á lá em cima, no quarto, a sonhar que ao menos a mulher do Sandokan não o obrigaria nunca a comer puré de batata nem sopa de nabiças durante o tormento do jantar.
António Lobo Antunes, "Elogio do Subúrbio"
in Crónicas, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1995
sábado, 23 de março de 2013
I de "I'm building a still to slow down the time" - b
Não interessa se falho na tarefa,
ao fim e ao cabo o imutável sempre
continuará imutável, e nada
somo ou tiro. A lua estará quieta
despertando-me sempre. Enquanto as margens
continuarão rasgadas pelo mar.
O sol continuará esse implacável
assombro. Sempre haverá uma aranha
a vomitar cristal e seda juntos.
Sempre haverá névoa. E continuará
a feroz ternura das tuas mãos.
Amalia Bautista, Estou Ausente,
trad. Inês Dias,
Lisboa: Averno, 2013
[Lisboa, 19/03/13]
sexta-feira, 22 de março de 2013
Y de "You must believe in spring" (V)
"Winter weather is not my soul
But the biding for spring
But the biding for spring
[...]"
quinta-feira, 21 de março de 2013
quarta-feira, 20 de março de 2013
Y de "You must believe in spring" (IV)
AS ANDORINHAS
As andorinhas giram miram viram, piam piadas, microfilmam a nuvem, sobrevoam casos, sobrevoam casa, quebram fios, quebram copos, falam mal de mim, falam mal de mim. Não existe mam, não existe mem, não existe mom, não existe mum. Portanto elas falam mal de mim. Giram, miram, piram.
As an-dorinhas: na minha infância houve uma Dorinha quase sem peitos, mas cheirava bem. Quebrava sempre copos.
O céu é adorável, andorinhável, andorável, acoplável com a terra, inquebrantável.
Ditado pisano: "per l'Annunziata la rondine è arrivata; e se non è arrivata per strada o è malata."
terça-feira, 19 de março de 2013
segunda-feira, 18 de março de 2013
A de "As Manhãs do Eterno Nada"
REFLEXÃO N.º 1
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
É a circulação e o movimento infinito.
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.
Murilo Mendes
domingo, 17 de março de 2013
sexta-feira, 15 de março de 2013
E de Espera (XXIX)
ANONIMATO
Uma mulher na varanda
Se debruça sobre o mar
Contempla as gaivotas gêmeas
Espera uma carta de amor
Brilha o cemitério aéreo
As nuvens jogam boxe
Passam meninas cantando
Não sabem que sou poeta
E o amor que existe em mim
Murilo Mendes, Poesia,
Rio de Janeiro: Agir, 1983
quinta-feira, 14 de março de 2013
quarta-feira, 13 de março de 2013
A de Aniversário (III)
NECROFILIA
Estás morto. Eu sei. Mas amo-te.
Os meus amigos tentam distrair-me
com jogos, festas, copos e viagens.
Os meus pais sugerem-me com doçura
que podia consultar algum psiquiatra
de renome. Meu amor, que absurdo tudo isto.
Só tenho certeza de uma coisa:
não voltarei mais ao cemitério
até que o meu telefone toque
e a tua voz me peça um encontro.
Amalia Bautista, Cárcel de Amor,
Sevilla: Editorial Renacimiento, 1988
[trad. ID]
terça-feira, 12 de março de 2013
L de Leituras paralelas
DIZER NÃO AOS BONS OFICIAIS COMO
OFÍCIO,
à sua máscara e ao seu enjoo.Dizer basta à sua organização, à sua ordem,
acabou-se a tanto arcanjo diplomático.
Saber que cada abraço é um selo na boca
e que os nossos silêncios são comprados com pancadinhas
nas costas e nos ombros. Não hesitar na hora
de reprimir um lampejo das nossas vaidades.
A beatice mordeu-me em jovem
e converti o amor em meu inimigo.
Prometeram-me mundos e fundos
e dormi com a ambição, essa amante com espinhos.
Depois disse até aqui, e não era tarde
porque estremeci na magia
de um fio que me prendia à origem do mundo
e até lá passava pelas coisas secretas.
Mas vieram outra vez os bons com as suas músicas,
vestiram-me de limpo, casaram-me
com a decência e o decoro
e em troca cobraram-me muito sangue.
Já basta de Verdade com os seus remendos.
Já basta de chantagem, morte à sua derrota,
que a ameaça não prolongue a minha vida.
À hora da sesta, quando tudo é sonolência
e recupera a paisagem a sua nudez antiga,
como Gregory Corso subi ao sótão
e abri a janela para atirar as coisas
mais importante por ela: a Verdade, com a sua impostura,
disse-me: “Não faças isso, senão denuncio-te;
direi que foste infiel aos teus amigos,
à tua mulher, desleal com os teus pais,
uma má pessoa”. Fora!
E logo Deus a jurar por si mesmo
através dos seus templos e dos seus corifeus
isso do livre arbítrio, que Ele não teve culpa,
que está inocente
porque na sua essência sem contradição
não é capaz de mentir, nem dividir-se
no seu todo absoluto, excepto
quando ao sétimo dia
encarregou Heine de criar as nuvens.
E depois o Amor a prometer a sua felicidade
como um bolo de cascas,
enjoativo primeiro e depois sujo.
Livre!, sim, na condição de não obter
tal liberdade de joelhos fincados.
Livre!, mas de tanta liberdade,
essa que liga Deus às contradições
dos seus operários especializados, não às do santo
ou às do missionário que estão feitas de pão,
de vinho e de reunião:
a liberdade da sabedoria como uma circunferência,
a liberdade da razão sempre a duvidar,
a da fé não submetida ao seu dogma.
Ramos sem tronco floridos,
no extremo erigida a flor
como o sangue elevado no beijo,
sem a sua raiz a rosa na liberdade azul,
os pássaros com mãos ou os homens com asas.
E o seu fulgor como de feitiçaria.
Um sonho em que gire o universo.
Eu e a minha luz em solene despedida de tudo o que me prende,
à margem da lei, do seu artifício, do seu clã;
da justiça, que nunca enforca
os bolsos cheios.
Eu voando, voando onde não
há choro, voando no esquecimento.
acordei nesse ponto,
quebraram-me de repente o mealheiro
como o entardecer o céu puro do oeste.
Antonio Hernández, O Mundo Inteiro,
Lisboa: Língua Morta, 2012
domingo, 10 de março de 2013
C de Cicatriz
"[...]
vivo para coser a pele com cuidado."
João Almeida, A Formiga Argentina,
Lisboa: Averno, 2005
Roland Topor
(1938-1997)
E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XLIV)
SERPENTES AURIVERDES
As fotografias ardem nas horas que ardem em mim
pele, carne, uma boca branca com bagas de insónia. Atirado com pedras
coloco a cabeça nos orifícios da fuga. E quando chegas e abres a porta
a árvore onde o sol brilha e que olho há 50 horas
desaparece debaixo do teu desespero
o trabalho e a casa sem mundo, o barulho do êxodo que lá fora entra
nas tuas e nas minhas mãos
para fugir não temos força, ganhámos o torpor amarelo da rendição
como quem come carne de semelhantes. Olhamo-nos
e bolinhas de algodão caem à nossa volta,
pólens de luz eléctrica
a nossa voz sem palavras e sem fim
não é capaz de parar o murro que nos vicia
pergunto se vais ajudar no piquete
já lá estive, o povo que se foda, só lá estamos nós a pregar aos peixinhos
que se incendeie tudo com gasolina e espanquemos o governador civil.
João Almeida, A Formiga Argentina,
Lisboa: Averno, 2005
Y de "y el sol era un domingo" (II)
seis horas
parece domingo parece sempre domingo
quando se ouve a feira das gaivotas
e o infinito cheira a peixe
e ainda não nasceu o aroma dos cafés de máquina
as lojas da baixa fechadas
o casario despintado a sujar o olho
os pombos do largo são muitos
engordam com o ar da festa e das farturas
mas isto mais para diante
quando a manhã for mais clara
e a procissão estiver no adro
hão-de vir os comissários do cortejo os acólitos
e mais pessoas investidas
os seráficos bombeiros
primeiro o andor da senhora com rosas
depois o senhor da cruz com rosas brancas
e o mirone do transístor na orelha com os pés no bordo do passeio
Abel Neves, Quasi Stellar,
Lisboa: Língua Morta, 2013
sábado, 9 de março de 2013
W de Wild is the wind (IX)
"Mendigo", disse Deus,
"ando de lixo em lixo.
Um cão morreu.
Alguém perdeu a carteira.
Uma criança chora
arranhada por um cometa.
Se peço esmola, faço-o
com um olhar amoroso.
Pesco um sapato no lago.
Não sei, ao certo, em que ano estou.
Consta que a primavera
se fez assassinar, além, entre os pinheiros.
A tempestade assobia,
que nem um deus se atreve a ir lá fora.
Dêem-me um pulover
mesmo com buracos."
Alain Bosquet, O Tormento de Deus,
trad. Jorge Guimarães,
Lisboa: Quetzal Editores, 1992
quinta-feira, 7 de março de 2013
R de Rezar na era da técnica - XI b
"Café-creme com travo de desânimo,
já provei", disse Deus.
"Como as horas de neura, que suporto,
ou não tivesse andado já para aí
a apanhar as beatas da existência.
O absurdo, às vezes, impacienta-me:
em que rails de que metro
encontra Deus,
dentes e rótula inidentificáveis?
A alva cheira a teia fresca.
A música é mais barata do que o vinho.
Chamam-me por socorro:
um assassino encarniça-se
sobre o orvalho."
Alain Bosquet, O Tormento de Deus,
trad. Jorge Guimarães,
Lisboa: Quetzal Editores, 1992
quarta-feira, 6 de março de 2013
R de Rezar na era da técnica (XI)
III
- o deus é tigre
- eu persigo-o
- o deus é trigo
- ele será o meu festim
- o deus é neve
- eu sujo-o
- o deus é ouro
- eu gasto-o
- o deus é rio
- eu desvio-o
- o deus é riso
- eu aceito-o se ele matar os outros deuses
Alain Bosquet
[Trad. ID]
R de Regresso ao real - VI b
"[...] viu, com os olhos que este mesmo sol há-de ver fecharem-se, os desenhos fora do desenho."
terça-feira, 5 de março de 2013
R de Regresso ao real (VI)
[...]
Tenho uma recordação de mim em criança, a afagar um pormenor num romance. Recordar o momento é outra forma de restaurar a fé na ficção. A experiência foi hipnótica, com consequências para toda a vida, porque me mostrou como os mundos dos factos e da ficção podem interpenetrar-se. Eu tinha 13 anos, estava sozinho na biblioteca da escola, fascinado com The Go-Between, de L. P. Hartley. O herói, Leo, filho de uma família pobre, passa as férias de verão de 1900 com um colega, cuja família tem uma grande casa de campo. O cerne da acção é, claro, o papel de Leo como mensageiro numa relação amorosa ilícita. Mas o que me envolveu foi a onda de calor daquele mês de julho e o fascínio do rapazinho pelo termómetro da estufa, sempre à espera que o mercúrio atingisse os 100 graus. O exemplar dessa semana da revista satírica Punch chega à casa e, lá dentro, um desenho mostra "O Sr. Punch debaixo de uma sombrinha, franzindo o sobrolho, enquanto o Cão Toby, com a língua de fora, se arrasta atrás dele."
Lembro-me de pôr o livro de parte e, num movimento inspirado, atravessar a biblioteca até às prateleiras onde as velhas edições de Punch estavam guardadas, tirar o volume de 1900 e abri-lo no mês de julho. E lá estavam eles, o cão sobreaquecido, a sombrinha e o Sr. Punch a limpar a testa com um lenço! Era verdade. Senti-me cativado, deliciado, com o poder de algo simultaneamente imaginado e real. E por instantes senti uma tristeza inabitual, nostalgia por um mundo de que fora excluído. Por um momento, eu tinha sido Leo, a ver o que ele via, e era de novo 1962 e eu estava na escola interna, sem onda de calor, apenas com este pequeno vestígio de uma revista que amarelecia.
[...]
Ian McEwan, "Apostasia Ficcional"
(trad. de António Costa Santos)
in Atual/Expresso, 2 de Março de 2013
segunda-feira, 4 de março de 2013
domingo, 3 de março de 2013
P de Poética - XLII c
UM ADEUS
não te verei mais
há o mar a esvaziar
há o céu a vestir
o teu rosto atinge já as árvores
e durante quinze séculos
procurarei o teu riso
sob os objectos saqueados
não te verei mais
há a lua a recolher
há o espaço e os outros espaços
a abrigar nas minhas veias
os teus joelhos deslizam sob o rio
as tuas clavículas brilham
sobre a pele das falésias
não te verei mais
há a morte a enganar
há o planeta a morder
com os mil dentes que me deu a ausência
Alain Bosquet
[Trad. ID]
sábado, 2 de março de 2013
E de "É assim que se faz a História. Sem palavras a mais." (XLIII)
combate por mil desertores
a recusa da recusa
é um miosótis
o homem perdeu a carne do verbo
como se perde num campo
a coroa de um rei ainda não inventado
Alain Bosquet
[Trad. ID]
sexta-feira, 1 de março de 2013
P de Poética - XLII b
Tratam mal a vossa linguagem:
é por isso que
as vossas framboesas dão víboras,
os vossos arquipélagos tossem sangue,
as vossas colinas se quebram
como copos de licor,
os vossos sóis estão doentes
e se vão sentar em camas desfeitas.
A vossa linguagem
trata-vos mal: irão morrer
logo ao primeiro ataque de prosa.
Alain Bosquet
[Trad. ID]
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