É O DOMÍNIO
É o domínio
de uma luz que dura além do limite
e que ao terminar não oferece
um tempo mínimo para os olhos
se habituarem ao escuro.
Percebo o luar sem olhar para o alto
e a lembrança de certas constelações
(o cinturão de Órion, as três Marias
tão ordenadas) é como a memória
que trago do mar visto pela última vez
há nove anos - eu, animal aleijado
de tudo o que seja sentido cardeal.
Em minha cidade, lugar de origem,
não sei apontar o leste,
desconheço a existência de pássaros migradores
e até do que me é cativo
guardo um conhecimento impreciso:
de onde chegam as aves
que invadem todas de uma vez as árvores
da Praça XV ao entardecer
de um mês preciso, mas qual?
Janeiro e o apogeu do calor?
Junho e as suavidades do frio?
E como dizer que um dia é diferente
do lixo amontoado nas esquinas?
Ver simplesmente é um hábito
que se desaprende e do qual
mal se sente falta; o coração
é uma história contada por um velho
que, se sabe o próprio nome, ignora
o lugar em que nasceu
e, se ainda enxerga os pássaros nos ares,
não sabe se está diante de seres eternos
ou se os contempla em seu último voo.
Daniel Francoy, Calendário,
Lisboa, Artefacto, 2015
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