quarta-feira, 10 de julho de 2013

M de Museu Imaginário (XIX)


No princípio eram só as sombras a crescer da treva e a amortalhar arbustos e penedos; uma luz de prata mate assomava-se por detrás da penha cimeira e começavam a perceber-se os contornos às pedras e os dorsos às cabras que corriam sempre para diante. O sol ergueu-se por detrás das fragas inclinadas ao nascente e o vento rasou tudo de uma luz dourada que retumbou por sobre a esteva, o rebanho e os olhos do rapaz e do homem, parados nos baixios da chã que se estendia branda planalto acima. Quando ela estava com eles, as cabras corriam sempre para diante; o pêlo crespo a roçar nas folhas e nos ramos; a luz a incendiar as chagas das flores voltadas para o céu. As cabras atravessavam as estevas, largadas planalto acima, e a resina colava-se-lhes ao pêlo; depois era tocá-las para o sopé, fechá-las no cercado e passar o dia inteiro a pentear-lhes panças e cachaços até ficar a resina apartada do pêlo comprido das cabras - para unturas e bálsamos - e sempre as flores lá em cima, pétalas brancas, corolas amarelas e as chagas varridas pelo alívio do poente.

[...]


Alexandre Sarrazola, "Glória"
in Telhados de Vidro n.º18, Lisboa: Averno, 2013




Pellizza da Volpedo, "Il sole"
(o quadro de 1904 que aparece na capa de um dos livros da minha vida)

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