REGRESSO DE DEOLA
Uma vez mais desceremos à rua a olhar os transeuntes,
também nós seremos transeuntes. Arranjaremos maneira
de nos levantarmos de manhã livres do fastio
da noite e de sairmos para caminhar como antes.
Uma vez mais lá iremos para fumar, encostados à vidraça,
embrutecidos. Mas os nossos olhos serão os mesmos
e os mesmos serão os gestos e as caras. O segredo inútil
que o nosso corpo alberga e nos vela os olhares
morrerá lentamente ao ritmo do sangue
em que tudo desaparece.
Uma manhã sairemos,
já não teremos casa, sairemos para a rua;
o fastio da noite abandonar-nos-á;
vamos tremer por estar sós. Mas vamos querer estar sós.
Fixaremos os transeuntes com o sorriso morto
de quem foi abatido mas não odeia nem grita
porque sabe que de há muito a sorte
- tudo aquilo que foi e será - está inscrita no sangue,
no murmúrio do sangue. E esse eco não mais vibrará.
Ergueremos os olhos para os cravar na rua.
Cesare Pavese
in O Vício Absurdo, sel. e trad. Rui Caeiro,
Lisboa: & etc, 1990
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