SEMPRE VENS DO MAR
Sempre vens do mar
e tens a voz rouca,
e sempre olhos secretos
de água viva, entre as silvas,
e a fronte baixa, como
um céu baixo de nuvens.
Revives de cada vez
como uma coisa antiga
e selvagem, que o coração
já conhecia, calando-se.
De cada vez a dilaceração,
de cada vez a morte.
O mesmo combate de sempre.
Quem aceita o confronto
provou da morte
e leva-a no sangue.
Como bons inimigos
que não se odeiam mais
temos uma mesma
voz, uma mesma dor
e vivemos acossados
debaixo de um céu pobre.
Entre nós não há insídias,
não há coisas inúteis -
combateremos sempre.
Combateremos ainda,
combateremos sempre,
pois perseguimos o sonho
flanqueado pela morte,
e temos a voz rouca,
a fronte baixa e selvagem
e um céu idêntico.
Fomos feitos para isso.
Se um de nós cede ao confronto,
segue-se uma longa noite
que não é nem paz nem trégua
nem é morte verdadeira.
Já não existes. Os braços
debatem-se em vão.
Desde que o coração bata.
Alguém diz um dos teus nomes
e a morte recomeça.
Coisa ignota e selvagem,
renasceste do mar.
Cesare Pavese
in O Vício Absurdo, sel.e trad. de Rui Caeiro,
Lisboa: & etc, 1990
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