quarta-feira, 6 de junho de 2012

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É necessário dizer isto para começar. Para que uma obra absurda seja possível, é preciso que o pensamento, sob a sua forma mais lúcida, esteja misturado com ela. Mas ao mesmo tempo é preciso que nela ele não transpareça, a não ser como inteligência organizadora. Este paradoxo explica-se segundo o absurdo. A obra de arte nasce da renúncia da inteligência a raciocinar o concreto. Nasce do triunfo do carnal. É o pensamento lúcido que a provoca mas nesse mesmo acto o pensamento renuncia a si próprio. Não cederá à tentação de acrescentar à descrição um sentido mais profundo, que sabe ilegítimo. A obra de arte encarna um drama da inteligência, mas só indirectamente o comprova. A obra absurda exige um artista consciente desses limites e uma arte em que o concreto não significa nada mais do que ele próprio. Não pode ser o fim, o sentido e a consolação de uma vida. Criar ou não criar, não muda coisa nenhuma. O criador absurdo não depende da sua obra. Poderia renunciar a ela; algumas vezes renuncia. Basta uma Abissínia.

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Albert Camus, O mito de Sísifo,
trad. Urbano Tavares Rodrigues,
Lisboa: Livros do Brasil, s/d

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