segunda-feira, 22 de abril de 2013

O de "O mundo está escuro: ilumina-o." (XXVIII)


     Não aderimos a uma crença por ela ser verdadeira (todas o são), mas porque uma força obscura a isso nos impele. Quando essa força nos abandona, é a prostração, a derrocada, a conversa com aquilo que resta de nós próprios.
     Cioran é um iluminador: um homem ultra-religioso que quase ultraja a religião.
     No intervalo deste quase (equilíbrio no gume de uma lâmina de barba do tamanho do mundo), Cioran conversa com Deus e olha-nos do interior do seu diálogo, tornado, mediante a escrita, num solilóquio subterrâneo.
     Lá, onde ele se movimenta, a luz penetra por múltiplos orifícios: impõe-se reuni-la num único foco com a ajuda das trevas multiplicadas.
     O trecho que cito atrás iluminou-me: é uma luva na minha mão direita; a força obscura, referida por Cioran, é-me absolutamente familiar.
     A iluminação, porém, não anula a sombra: a luz de uma coincidência é fugaz; só subsiste, fulgurante, a recordação perene da surpresa.


António Barahona, As Grandes Ondas,
Lisboa: Averno, 2013




  
[Cioran, L'Élan Vers le Pire, fotografias de Irmely Jung,
Paris: Gallimard, 1988]

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