SANTOS MÁRTIRES (LX)
e quando (a meio do Inverno) já só contamos com a frialdade dos dias
afundados numa tarde azul - a luz oblíqua desferida sobre a cristaleira -
mantas herdadas de dezembros mais frios afogadas numa feérica luz
de últimos dias («viste o meu espelho»); quase silêncio e a televisão acesa
lá muito em baixo, alguns vultos de casais junto das águas do lago –
à margem da toada dos cães que latem (aqui ao lado) no logradouro vizinho
e dos filhos de estranhos que choram em apartamentos de outros prédios;
(«o espelho») a vaga toada de uma festa no terraço - uma boda de Inverno
apagam-se as gambiarras; um morrão pontuando o reflexo de uma janela -
logo um instante dourado que sobre tudo se abate e (tudo) transforma em silêncio;
fitando a escuridão das águas e as lantejoulas varridas pela brisa para o lodo da margem:
ao fundo da sala, sempre a luz sobre a cristaleira a morrer às nossas costas
Alexandre Sarrazola, View-Master,
Lisboa: Língua Morta, 2013
[Obrigada, Alexandre]
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