quarta-feira, 26 de novembro de 2014

R de Regresso ao Trabalho - XLVIII b


ALFONSINA STORNI ATIRA-SE AO OCEANO


"E sobre a minha cabeça
ardem, no crepúsculo,
as eriçadas pontas do mar"
A. S.



Enquanto saem do mar ou do Tempo as amibas,
os caranguejos pré-históricos e os grandes répteis,
chiantes e lentos como tanques de guerra;
enquanto sai Pizarro com os seus homens e cavalos;
e emerge Ursula Andress, o seu biquini eléctrico e louro
como uma flor carnívora que se colasse ao tacto;
   
enquanto saem do mar a Vénus de Boticelli, e Crusoé,
e o Nautilus amarelo dos Beatles, e na praia
vêm encalhar baleias e réstias morenas de raparigas
que tomam sol e mate e depois são tomadas por outros;
enquanto emergem do abismo os icebergues cariados do diabo
e entre eles flutua a vida, esse draga-minas velho e escangalhado;
 
enquanto o mar transborda do mar no meio do estrondo
e o Sumo Ponto já nem ouve os seus próprios pensamentos,
e na praia do cenário já não cabemos todos,
porque todos tropeçamos em todos, e andamos a esbarrar
na vida e nas suas tramóias e no adereço que são as palavras;
   
eu regresso sem nada e em silêncio a este oceano, hoje laranja
e tépido como o líquido amniótico que banhava as minhas primeiras sestas.
Sabem como gosto de dar uma espreitadela aos bastidores.
Deixo-vos com o vosso desembarque diário na Normandia.
Não me acordem até o espectáculo e o mundo acabarem.


Jesús Jiménez Domínguez, Frecuencias,
Madrid: Visor, 2012
[Trad. ID]