quarta-feira, 18 de setembro de 2013

S de Solidão (ou C de Comunidade) LVII



MEDITAÇÃO IDIOTA NA HORA DE DEITAR-SE SOZINHO


Se disseste, e tens repetido tantas vezes,
que o teu único amor é uma mala,
para que te queixas e protestas
enquanto olhas o tecto sobre tua cama solitária.
Vítima, juiz e enfim e carrasco,
podes ainda sentir que estremeces porque alguém te ama,
mas tu escolheste, de certo modo, esse destino,
e agora deves pagar o preço.
Tu que pronunciaste "amo-te" tantas vezes,
para te rires depois da tua frase,
- o que esperas?, a quem pedes em vão?
Se quando encontras alguém que comparte teus dias,
tuas noites mais terríveis, tua soma de fracassos,
te mete medo dizer-lhe "continuemos sempre juntos",
embora seja uma frase, embora não o creias,
- que final é o teu?, que esperas tu?
E se também te queixas das farsas grotescas
que amiúde, inúteis, constróis
com frívolas histórias, palavras mercenárias,
- o que pretendes? que pedes à vida?
A vida não é um jogo, deves tê-lo compreendido,
e se há algo evidente é que já envelheceste.
Conforma-te e aguenta e não peças milagres,
que o vodka te acompanhe ao silêncio e ao sono.
Aos pés da tua cama, como cadela no cio,
a morte, serviçal, dá-te as boas noites.


Juan Luis Panero
in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, trad. José Bento,
Lisboa: Assírio & Alvim, 1985

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