O TROY É UMA INSTITUIÇÃO E NEM SEQUER PEDE
e assim acaba por ser um mendigo absentista, impróprio.
Dizem que só no carnaval estende a mão
como os outros põem a sua máscara.
Mas em janeiro, que é o mês das chuvas
e o Passeio Marítimo uma espécie de frontão do mar,
ou em agosto ou julho quando tudo está em festa
e até fevereiro regressa com o som dos seus foliões
e os churrascos na praia são
como sinais votivos de um povo milenar,
o Troy limita-se a falar sozinho da sua estrela
desorbitada, fala ou tagarela sem redenção ao vento
e contra o vento de levante expõe
a sua barba como um deus repudiado e rebelde,
e vai de um lado para o outro no semáforo,
sempre de um lado para o outro perseguindo o esquecimento.
Por muito amar, muito perdeu, comentam,
e agora é a sua liberdade contra a memória.
Sempre de um lado para o outro com a sua barba
e o seu casaco em agosto porque todos os caminhos
levam à desilusão.
A tristeza é a luz
da loucura ou esta talvez a sombra da dor,
mas a nossa alegria, a dos homens lúcidos,
é a insanidade com método, ou o código que ensina
a esquecer a impostura. Os loucos dão festins
surreais e os lúcidos festins com o sangue
dos nossos semelhantes: guerra, guerra,
e a loucura não consta muitas vezes
como forma de autodestruição.
O Troy carrega uma dívida no pensamento.
O Troy, que foi ferido por uma má carícia.
Tem uma lua desbocada no cérebro, uma maré.
por isso mesmo passa o dia atravessando no semáforo.
Tal como o vinho, tomada em grandes doses só
a loucura entorpece o seu dom caritativo.
Ah, querido, grande Novalis, a poesia cura
as feridas melancólicas da razão.
O Troy, como o mar, de um lado para o outro
do Passeio Marítimo.
Começa-se por ser um deus,
um amante ardente, e acaba-se como louco
que, se pede esmola, a pede ao passado.
António Hernández, O Mundo Inteiro,
trad. Inês Dias, Lisboa: Língua Morta, 2012
Izis Bidermanas, Carnaval de Nice, 1956