sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

P de "Pelos caminhos da manhã" (VII)


[...]
Gravaram os seus nomes num dos troncos. Porém a casca, resistindo, não deixou que as letras se inscrevessem limpidamente. Ficou um sofrimento vegetal, uma ferida a escorrer sobre um borrão. Eles não repararam. Estavam antes de todos os sinais do romantismo, antes de toda a construção mental. O lodo cintilava-lhes nos fatos como cintilam coisas funerárias. Mas esses dados de melancolia não encontravam quem os entendesse. O ambiente tentou manter com eles um diálogo negro. Tud...o em volta se assemelhava à escavação de um túmulo. Outros olhares podiam assustar-se, vendo como desciam águas novas pelas escarpas quebradas em degraus. Pensariam que se configurava, nessa fundura, o que um cadáver pode ver, se acaso vê pelas pálpebras cerradas: as paredes de barro e um céu distante. Não o olhar de Gabriel e de Lizzie que era o de quem acaba de nascer e sofre o choque da respiração. O Old Roar Gill aconselhava a que morressem nesse mesmo instante, mas eles não entendiam o conselho.


Hélia Correia, Adoecer,
Lisboa, Relógio D'Água, 2010



[ID, Londres, 2014]

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