UMA CORRESPONDÊNCIA
Quando o meu pai morreu,
a minha mãe escreveu-me:
"Somos dois
a quem tenho de sobreviver:
o teu pai e eu."
Não respondi:
há dias em que todos os verbos são culpados.
Não senti nada:
há dias em que todos os sentimentos são falsos.
Mas desci à cave,
escolhi um cachimbo e um velho violino;
ao tirar-lhes o pó,
pedi-lhes que ficassem tristes por mim:
o cachimbo com o seu âmbar torto,
algumas marcas de dentes, o seu ar embaraçado;
o violino muito romântico,
talvez tuberculoso
e falando de um inverno em que a neve fora negra.
Choraram para me servir de exemplo.
Vou escrever à minha mãe:
"Os nossos objectos mais próximos
"Os nossos objectos mais próximos
asseguraram-me que estão inteiramente connosco."
Alain Bosquet, Je ne suis pas un poète d'eau douce,
Paris: Gallimard, 1996
[Trad. ID]
3 comentários:
ui...muito bom,
beijo.
marta
beijo :)
Que bonito Inês. Não conhecia.
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