sexta-feira, 4 de julho de 2014

O de "Onde se lê gato" (IX) - Et semper


HOTEL ASTÓRIA, QUARTO 229

                        in memoriam


Há uma roda gigante que não pára, do outro lado do rio. Também a música ao vivo teima em continuar pela noite dentro, poluindo os arredores de Santa Clara e os lençóis inquietos onde já encontraste o sono.


*


Mas já só consigo pensar na roda pequena da vida, que ontem se deteve no corpo de um gato escuro, violentamente terno. Há ausências assim, impronunciáveis. Saber que a dor se irá tornando tolerável, que continuaremos a cumprir a breve sucessão dos dias, é tudo menos um consolo. Será, quando muito, um acréscimo de humilhação, o modo baixo como a vida nos obriga a aceitar o inaceitável. 


*


Toquei ontem, pela última vez, na cauda fria de um gato. Chamava-se, neste mundo, Barnabé.


Manuel de Freitas, Ubi Sunt,
Lisboa: Averno, 2014







[Abril de 2011]

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