"O anjo: eternidade após eternidade a guardar cadáveres, segurando-lhes a trela, deixando-os entrerroer os ossos. [...]
O anjo: eternidade após eternidade a oficiar a resistência, atiçando o lume nos olhos dos que ainda aprendem a amar aquilo que se lhes recusa. Para eles, o sonho, não o sono, é um lobo entre dois ataques. Emboscado sem horários, dias úteis, tréguas. Sem medo. Sem abdicar de ser inquieto e convulso, que é o mesmo que dizer vivo e poético. Respeitando o círculo das trevas, espreitando o sinal do pássaro do terror, seguindo convictamente o seu assassino como se um fio lhe prendesse cada nervo aos arrepios da cegueira, aos pregos na voz. Os últimos dos últimos, escreveriam; os verdadeiros toureiros, os funâmbulos.
Pobre anjo. De paciência destelhada, contempla o seu rebanho de cadáveres. Nunca se sentiu tão mal acompanhado. E nós tão sós, neste mundo de sombras ocupadas a repisarem a nossa sombra, às escuras."
Inês Dias
in Cão Celeste n.º 2, Lisboa, Outubro de 2012
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