Tinham nascido iguais aos outros
e tinham decidido após alguns anos
continuar a ser iguais.
Falariam até de madrugada sem pensar
que o seu filho herdaria esse costume.
Iam tornar-se insones e conquistar tudo.
Iam sair de casa ao amanhecer,
à hora em que os amantes
resistem à primeira luz e se reconhecem.
Iam estar prontos para chegar a tempo
às grandes conversas que começam
em muitos pontos da cidade todas as manhãs.
Tinham a absoluta certeza
de se estarem a amar num tempo diferente deste.
Tudo o que se dizia sobre o país lhes interessava,
registavam-no e conseguiam nomeá-lo
antes de se entregarem um ao outro.
Iam ser a primeira falta de educação.
Iam trazer um filho ao mundo
para que as esperanças colocadas neles
já não fossem reais.
Deixariam o seu amor no ponto mais belo
em que uma história de amor alguma vez ficou.
Iam sempre precisar de mais um dia
para saber o que fazer com a sua vida
e sempre, como uma excepção, lhes seria concedido.
Pablo Fidalgo Lareo, Os meus pais: Romeu e Julieta,
trad. Manuel de Freitas, Lisboa, Averno, 2015
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