sábado, 18 de junho de 2011

R de (O) rio da minha aldeia (V)

     "Nunca dormi tão regalado sono em minha vida. Acordei no outro dia ao repicar incessante e apressurado dos sinos da Alcáçova. Saltei da cama, fui à janela, e dei com o mais belo, o mais grandioso, e, ao mesmo tempo, mais ameno quadro em que ainda pus os meus olhos.
     No fundo de um largo vale aprazível e sereno, está o sossegado leito do Tejo, cuja areia ruiva e resplandecente apenas se cobre de água junto às margens, donde se debruçam verdes e frescos ainda os salgueiros que as ornam e defendem. Dalém do rio, com os pés no pingue nateiro daquelas terras aluviais, os ricos olivedos de Alpiarça e Almeirim; depois a vila de D. Manuel e a sua charneca e as suas vinhas. Daquém a imensa planície dita do Rossio, semeada de casas, de aldeias, de hortas, de grupos de árvores silvestres, de pomares. Mais para a raiz do monte em cujo cimo estou, o pitoresco bairro da Ribeira com as suas casas e as suas igrejas, tão graciosas vistas daqui, a sua cruz de Santa Iria e as memórias romanescas do seu alfageme.
     Com os olhos vagando por este quadro imenso e formosíssimo, a imaginação tomava-me asas e fugia pelo vago infinito das regiões ideais. Recordações de todos os tempos, pensamentos de todo o género me afluíam ao espírito, e me tinham como num sonho em que as imagens mais discordantes e disparatadas se sucedem umas às outras.”

 
(Re)lido aqui:
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra
 
(Re)visto e fotografado

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